"A
rigor a vida segue, com sapatos de gala em elegante farrapo,
desfilando seus esquálidos ossos pelos oblíquos cantos e vielas.
A
vida segue, sempre na sua infame e desonesta farsa social, risos
metálicos em dentes forjados na puritana alcova de plácidos
solares, olhos esbugalhados numa curiosa "misancene" entre
mirar os próprios pés, a não tropeçar no rabo dos transeuntes ao
lado, à frente, ou na própria cauda delgada.
A
vida segue, ladeira, morro, planície ou serrado, girando sempre ao
contrário, como a frear um destino fadado ao descaso.
A
vida, puta de qualquer esquina, com um riso famélico de cigarro
úmido e opaco, num canto de beiço sofrido e ressecado, mendigando
farelos de afeto, qualquer suado e mesclado abraço, cópula miúda e
de fétidos odores gástricos, tremores premeditados, tudo na aparência de
simples trocados; mentirosos disfarçados de seres afáveis, ungindo
seus corpos com bênçãos invisíveis de um deus imaginário.
Essa
é a vida humana, paquiderme que se arrasta "abufelado" a espera de um
mísero enfarto, algo que traga algum sentido ou ao menos poucos
amigos, na aba a levar mais um pobre coitado ao descanso almejado. E
afinal, todo esse espetáculo validou ao menos o valor desse cínico
parto ? Que ato divino pode se dizer, peregrina num universo de
hipóteses e no final, tão óbvio destino ?
Pois
ao pó que ventila as narinas, que opera química enérgica e contamina as
adegas, meu quarto, ou qualquer desertificado vivente, fará
diferença ao fim o raiar do solar compasso ?
O
Ciclo de vida é pontual. É final grotesco, onde a obra não justifica
nem o fim, quanto mais o alicerce que habita cada começo. Deus hilário,
sarcástico, autoritário e sublime, que não encerra nada que começa
ou termina de fato a prova nos seus arautos. Como espantalho aos
pombos, gralhas e insetos, trepido a tão fremente embaraço, virei
casa de insetos, habito agora do outro lado, sem abas, batentes,
apoios, tenência, só uma sutil demência. Meu eu. Único e quem
sabe, real, ao menos, ao tato. "
gianovik