quarta-feira, 26 de junho de 2013

Adorável Sociopata ?




  
"Quem me dera o laço fino do teu colo, a assinar cada bilhete oculto à soleira da porta. Quem me dera a partitura de soluços e gemidos, a entoar seus traços finos de esperança e desdém. O ventre do qual perdi a conta dos espamos, partiu como se não quisera congelar o tempo, os suspiros engolfaram as lágrimas e mergulharam no pêndulo da história para nunca mais voltar. Só me resta um retalho, quase um fantoche amargurado, dos enigmas multifacetados dos quais permaneço sedento, ciente e absorto, ao lado do seu transtornado e maravilhoso ser. O tempo perdeu seu pretérito, sua chama catalisadora, enegreceu no curtume das noites marginais, banalizou-se o último vestígio deletério desta entidade. Foi-se em ti, o cinismo que me habitava. Mas não havia como evitar, como não lhe deixar partir, não se produz escala ou filtro capaz de capturar o frenesi e o fel desse doce pesadelo."



gianovik

domingo, 23 de junho de 2013

Nada será ...





Imprudente vocifera
mas nada segue adiante
de tantos fatos se apodera
colos, escoras, laços mitigantes;
afinal, como ser tão inconstante ?

Visto às penas e lamúrias
lutas fracas, forças mornas
alias, e o que importa ?

Pois nada será como antes ... 
 

Não deve a face aos infelizes
o outro gomo aos errantes
em cada lacre que desnuda
espasmos, estrépitos, rangidos;
também pudera !
Como a cingir gemidos
tal qual fera adernante.

Cai por terra, afasta as hastes
areia, poeira e lama
encerra seu Lácio suspiro
brame o discurso dos incautos
e nisso encerra o melodrama
arquejante ao ser ouvido.

Da carne nada mais lhe resta
grita alto, farto e orgulhoso
e na prosódia que se encerra,
essa ode urbana e senil
ecoa, reverbera, caça o sentido...

Pois nada será como antes …






gianovik

Contínuo



A agonia de viver no real
 produz reflexões que nem
 o estado de torpes mais
ultrajante elucidaria nas 
noites mais insones.
É um estado de alerta contínuo,
 que pluraliza verdades antes
 insondáveis e que a vileza
 dos vícios consegue 
emaranhar sem distinção 
de causa e propósito.

Viver o real é para loucos no final. 


gianovik






segunda-feira, 17 de junho de 2013

Consciência



 


Tive a sorte de nascer e crescer durante o regime militar, não pelo regime, mas pelos benefícios que hoje são quase uma lenda.

Lembro das filas indianas matutinas no pátio do colégio, a organizar a entrada das classes e cantar o hino à bandeira, ou qualquer que fosse o dia a celebrar com a respectiva toada, da revista das professoras ao asseio pessoal ( unhas, cabelo, orelhas … é, isso já existiu ! ), das anotações no caderno individual para repreender a mãe negligente, das aulas de Religião, OSPB (Organização Social e Política Brasileira), Moral e Cívica entre outras, dos cadernos de brochura que sempre estampavam na última folha algum hino, de levantar para receber os professores em sala, do silêncio que mesmo quebrado pela balbúrdia comum às crianças, um mero soslaio dos olhos do mestre silenciava os tagarelas, das tabuadas proferidas em pé à frente da classe em ritmo descompassado numa mescla de sinais sem ordem e respondidas na ponta da língua, da espera na ante-sala do diretor que nos fazia chorar pela vergonha do mau comportamento. Lembro também das brigas marcadas pro intervalo com os sempre existentes desafetos de sala, da solução sem golpes baixos, sem sangue, pela imposição infantil da força sem humilhar o colega de classe, do aperto de mão após o fim dos embates.

Vale ressaltar que tudo isso ocorreu na década de 70, não no início do século 20 como até mesmo eu relendo, parece ter se passado.

Hoje me deparo com escolas-abrigos, onde são um descarte dos filhos e não fonte de sabedoria e moralidade. Adultos graduados que usam seus celulares pra simples equações, de trabalhos escolares e monografias coladas e copiadas ( quando não encomendadas ) da internet, de pessoas inclusive com títulos "lato/stricto sensus" que não sabem defender suas ideologias e escrevem como se fosse a primeira vez na vida.

Mas não havia claro a tão sonhada liberdade de expressão e o direito público ao voto tão reivindicado e justo pelo povo.

Entendam que em nenhum momento estou a defender o militarismo ou a forma anti democrática como ele se institui em nosso país, estou a defender o direito mais básico que sempre moldou a consciência e a evolução dos povos : a educação, pois sem esse sustentáculo o progresso caminha a passos tortos e desviado do propósito de crescimento homogêneo, não gerando a mesma gama de oportunidades para os indivíduos.

E esses abusos de cerceamento de consciência e aprendizado real, estão culminando nas revoltas que se espalham por todo país mascaradas sob o manto de centavos no transporte público. Até a nação mais subdesenvolvida e engolfada pela propaganda enganosa da "situação", um dia apela aos protestos quando vê comida em excesso na TV e prato vazio na mesa, a própria mídia inconsequentemente alvejou os próprios pés com propaganda enganosa até que a população saltasse desse estado de hipnose e começasse a sentir dor.

Hoje em dia a verdadeira mídia está aqui, na internet, onde se pode falar a verdade ( e algumas mentiras claro ) sem cerceamento de expressão ou barreiras políticas.


Essa foi a falha da mídia televisiva, não contavam com as milhares de câmeras e vídeos dos celulares nas mãos de manifestantes, transeuntes e curiosos, todos bombardeando a rede com a verdade sem máscaras ou edições das centrais de vídeos privadas. Esse movimento que se iniciou pelos falados 20 centavos de passagem, está "desentalando" a voz e movendo multidões que antes não conseguiam se unir com o foco voltado apenas para a corrupção ou qualquer debate específico. Ninguém aguenta mais ver esses desmandos como se fosse algum tipo de ficção ou mais uma novela em busca de audiência.

Só nos restou ir pras ruas “quebrar” essa passividade mostrando que não é necessária a violência pra mudar a consciência de um povo.



gianovik




sexta-feira, 14 de junho de 2013

Amor e Desapego



 
Quanto egoísmo
prender seu encanto
em caixa lacrada
num abraço faminto

Quanta beleza
sempre ao largo viver
dessa fiel incerteza
e nesse deslumbre antever;

que todo amor verdadeiro
já enreda no ar, nos gorjeios
a sutil atmosfera de amar
sendo jamais prisioneiro



gianovik

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Riso Alado








Hoje sentei-me à praça.

Noite fria, com partículas de chuva “talenteando”1  os ares.

Caderno a mão, duas canetas pra fugir da Lei de Murphy, uma ideia na cabeça e tempo para desenvolvê-la. Por alguns instantes vi-me idoso, com os bolsos cheios de petiscos a atirar aos pombos. Era noite, não poderiam haver pombos, nem pombos daltônicos, sequer morcegos com essa dieta. Poucas pessoas no ambiente, crianças com seus capuzes teleguiadas por pais irresponsáveis insistindo em resfriar seus rebentos. Não sabia exatamente o que iria fazer, se um desenho da cena, uma caricatura climática ou um auto retrato parnasianista. Só sabia que precisava mudar o ambiente, sair da austeridade do velho computador, abandonar a sala, esvaziar a mente das velhas palavras que ainda restavam impregnadas nas paredes, onde as vezes descolavam e por afinidade se enredavam no caule dos pulsos. Sentia há algum tempo mastigar as mesmas proposições e perfazer anátemas sobre o mesmo conteúdo. Era necessário abrir as portas e deixá-las ir povoar outros ares, vivificar ideias estereis, proliferar novos horizontes, deixá-las livres da minha atração compulsiva.

Então na praça não seria encontrado. Era um refúgio inesperado.

Pequenas poças refletiam os holofotes halógenos a se olharem profundamente como narcisos. Vez ou outra um casal passava apressado, desconfiado, como que seguidos de perto por sombras.

Amores apressados, relações desenfreadas por uma leve garoa. Imagino ao rugir das trovoadas o ritmo que o desapego quase olímpico os sentenciaria. A chuva enfraqueceria a cola dos sentimentos, largariam as mãos como papel de bala solto ao relento, se perderiam nas esquinas em busca de abrigo, esboçariam mínimos remorsos com o abandono, iriam esperar a tormenta cessar pra se apegarem a novas paixões de verão, que se embotariam e perderiam a liga ao primeiro resfolegar de umidade do inverno.

Mas minha atenção era desviada vezes seguidas por uma linda garotinha aprisionada à saia da mãe. Era um cordão umbilical improvisado, uma continuação litúrgica da fidalguia humana. Elo de proteção, uma mecha de pano a guiar nova vida pelas calcadas, desviar das valetas, dos espelhos d'água, dos restos da humanidade descartados ao solo, como um cego guiado por cão guia. Ela ia e vinha nesse cabo de guerra de um lado ao outro. Toda vez que me fitava sorria, a caminhada era sincronizada, nem mãe nem prole perdiam o compasso, atravancavam-se ou derivavam a reboque.

E fez-me sorrir também.

E me senti ave recebedora dos farelos daquele sorriso. Era visível então o que fazia naquele lugar. Não estava a alimentar novos enredos ou fantasias dialéticas. Não era senhor das linhas e traços nem arquiteto da comiseração alheia. Estava a catar migalhas, como as aves dementadas no alvoroço das sobras, cercando os humanos numa gritante empreitada por sobrevivência.

Então vi que não havia a menor necessidade de algo ser ditado. Alimentei-me daquele sorriso por vagas duas ou três passagens, fechei o caderno, guardei uma caneta, pedi licença à mãe e ofereci delicadamente a restante à criança:


  • Escreva seu sorriso em um caderno. - Disse.
  • E como se escreve um sorriso ?
  • Do mesmo jeito que sorristes pra mim.



Eu não precisava nada criar. Aqueles sorrisos já haviam escrito em mim e repovoado o manancial interno.





gianovik




1  talenteando : licença poética





sábado, 8 de junho de 2013

Confesso






Quando me vens em tela vazia
sei pintar como poucos.
Barris de tintas tragados pelo tablado
usar o reflexo adocicado de um sol;
mareado
pra forjar contornos
emoldurar lábios
endurecer ternos olhos
preencher fendas em seu dorso.

Como coleções de estrelas e pulsares
bordo-as em mínimas sutilezas
na reentrância dos lóbulos
nos vales das costelas
nas ancas com seus sobrados.

Sei dosar o tempo de secagem
estirar-te pra alcançar mínimos detalhes
encontrar segredos, baús, alguns naufrágios
nada que já não tivesse riscado
e por cima desenhado a pulso marcado
as certezas de tão confesso amor.


gianovik

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Somas







Ainda te busco
nos olhos alheios
em passos no corredor
em delírios e ecos

Não sei d'onde virás
ou faz parte de devaneios
se já te encontrei
se passou num lampejo

Sei que és presente
todos os perfumes
mesclam-se como prova disso
todos os risos
compõem esses vestígios.

Teu sussurro sempre vem
como um arrepio
promessa ou prenúncio
de que em algum tempo, lugar
já estivemos juntos.

Mas não consigo
unir, atar
todos os intensos sinais
pra anexar num instante
essa tão relicária
soma de desejos.



gianovik

Sobre Palavras








Relendo mais uma vez o texto da poetisa Cáh Morandi :

Tenho medo de escrever certas palavras. Posso me confessar sem perceber, posso ferir alguém sem a intenção de fazê-lo. Desmorono algumas frases, maquio as expressões. Alongo um pouco mais a vírgula. Quebro linhas, reinicio um parágrafo. Minha graça é a existência da poesia. Minha agonia é o que a precede. Meu desespero é quando ela sobra, dentro de mim.”


Simples e perfeito.

Não há como dizer mais nada.





 Cáh Morandi

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Felicidade Plástica




  • Não pode ser. Ninguém pode ser feliz o tempo todo.

  • Eu também acho estranho aquele monte de postagens de alegria. Para mim parece um painel de súplicas.

  • Pois é. O que você acha de fato ? Seja sincero.

  • Acho muitas coisas. Acho que espargir felicidade em redes sociais parece sinônimo de carência, de apelo tipo : “Ei !! Eu existo, leiam minha felicidade plástica !!! Vejam meu sorriso o tempo todo exibindo como um poster que o mundo todo esta errado e somente eu estou certo.” Acho também que a primeira reação de quem vê esse tipo de publicidade é de asco, de ojeriza mesmo. Do tipo : “Ninguém pode ser feliz o tempo todo”. 

  • Para mim isso é coisa de gente esquizofrênica, pinel mesmo. Ou algum tipo de bipolaridade que só publica o lado bom da doença, se é que existe lado bom.

  • Sei lá cara. Eu fazia uso dessas redes inicialmente para aqueles vícios de postar imagens e coisas engraçadas, das primeiras sociopatias digitais. Hoje em dia mal uso.

  • Eu vou até cancelar as minhas. Causa muito problema com minha esposa. Mas diz uma coisa, pela sua experiência, acha que alguém pode permanecer em pleno estado de alegria na íntegra ?

  • Mas o que é integro nesse mundo ? Tudo vai passar. A Bíblia fala em algum lugar que “A felicidade não é desse mundo”, não que eu siga e acredite ao pé da letra no que ali está escrito, mas felicidade plena se pararmos para pensar, ao longo da vida não encheria uma semana de 7 dias. Felicidade plena deve até matar o cidadão, por isso não deve ser desse mundo mesmo. A natureza contraditória do homem não conseguiria vivenciar na carne esse frenesi por tempo demasiado, a pessoa acabaria tendo um infarto, um AVC, aneurisma sei lá ! Deve ser algo tão intenso como um orgasmo continuado. O sujeito explode.

  • Ou vai parar num hospício. Você já conheceu alguém assim no dia a dia ?

  • Hum … Deixa ver … Já ! Mas antes dessa loucura hedonista da internet e da exposição pública como padrão. Mas era outra época. As pessoas conversavam de verdade, marcavam para sair, ir ao cinema, tomar um chope e aproveitavam a simplicidade da vida. Hoje você vai a um restaurante e vê mesas cheias de zumbis conversando com seus gadgets e postando fotos o tempo todo na rede, e pouco se olhando entre si e dialogando, deveriam enfiar as pizzas nos celulares e não nas bocas. Bem, como estava dizendo, essa pessoa era especial mesmo, consegue escapar até hoje da alienação dos tempos modernos; falando nisso, outro dia fui a uma região de montanhas onde o sinal de celular nem internet cabeada chegaram ainda. Foi terrível os dois primeiros dias, mas no terceiro foi como se tivesse saído de uma espécie de transe e comecei a de fato reparar na beleza do lugar. Foi uma sensação estranha, tipo aquele filme que as pessoas pensam viver na realidade, mas na verdade estão sonhando conectados a máquinas gerando energia para inteligências artificias. Acho que é isso, toda essa modernidade está gerando inteligências artificias dentro das nossas crianças e adolescentes, e nos impregnando também. Só o fato de existirem pessoas que falam com você na rede e pessoalmente parecem lhe desconhecer já prova isso. Está sendo criado um mundo imaginário coletivo, as imaginações estão se fundindo numa mentira coletiva, em pessoas com felicidade sempre estampada nos rostos e textos. Olhando por esse prisma acho que esses pessoas e seus perfis “orgasmo-contínuo” pensam estar felizes, mas são seus alter ego digitais que esbaldam essa felicidade.

  • Cara você está viajando !

  • O mundo está viajando. Mas não mais com a mente e matéria unidos. Estão se dissociando em congeneres distintos, o criador e a criatura, o homem e o desejo projetado, a busca por afirmação e a conquista imaginária, a entidade infeliz projetada num alter ego perfeito. Não somos mais a mesma raça, a humana criou a raça idealizada. Só há uma falha nisso.

  • Qual ó Rei das viagens imaginárias ?

  • Idealizações são utópicas. São marcos inalcançáveis. São projeções do ambiente e vida perfeitos onde a perfeição nunca imperou. Em algum momento essa bolha de fantasia vai estourar e não vai dar para prever a catástrofe psicológica que decairá sobre as sociedades ditas desenvolvidas.

  • É … faz sentido, deixa eu desconectar que amanhã a luta continua. Abraços.

  • Pelo menos curte lá sua amiga ultra mega feliz. Contribua mais um pouco com o projeto “Mundo Perfeito” dela !

  • Fala sério ! Vou é bloquear a pessoa ! Inté !

  • Falou .

  • …. …. …. … … …



gianovik

Recordação






Crônica excelente de Antonio Prata para a Folha de São Paulo :






'Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não?' 

"Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado", ele disse, me olhando pelo retrovisor. Fiquei sem reação: tinha pegado o táxi na Nove de Julho, o trânsito estava ruim, levamos meia hora para percorrer a Faria Lima e chegar à rua dos Pinheiros, tudo no mais asséptico silêncio, aí, então, ele me encara pelo espelhinho e, como se fosse a continuação de uma longa conversa, solta essa: "Hoje a gente ia fazer 25 anos de casado". 

Meu espanto, contudo, não durou muito, pois ele logo emendou: "Nunca vou esquecer: 1º de junho de 1988. A gente se conheceu num barzinho, lá em Santos, e dali pra frente nunca ficou um dia sem se falar! Até que cinco anos atrás... Fazer o que, né? Se Deus quis assim...". 

Houve um breve silêncio, enquanto ultrapassávamos um caminhão de lixo e consegui encaixar um "Sinto muito". "Obrigado. No começo foi complicado, agora tô me acostumando. Mas sabe que que é mais difícil? Não ter foto dela." "Cê não tem nenhuma?" "Não, tenho foto, sim, eu até fiz um álbum, mas não tem foto dela fazendo as coisas dela, entendeu? Que nem: tem ela no casamento da nossa mais velha, toda arrumada. Mas ela não era daquele jeito, com penteado, com vestido. Sabe o jeito que eu mais lembro dela? De avental. Só que toda vez que tinha almoço lá em casa, festa e alguém aparecia com uma câmera na cozinha, ela tirava correndo o avental, ia arrumar o cabelo, até ficar de um jeito que não era ela. Tenho pensado muito nisso aí, das fotos, falo com os passageiros e tal e descobri que é assim, é do ser humano, mesmo. A pessoa, olha só, a pessoa trabalha todo dia numa firma, vamos dizer, todo dia ela vai lá e nunca tira uma foto da portaria, do bebedor, do banheiro, desses lugares que ela fica o tempo inteiro. Aí, num fim de semana ela vai pra uma praia qualquer, leva a câmera, o celular e tchuf, tchuf, tchuf. Não faz sentido, pra que que a pessoa quer gravar as coisas que não são da vida dela e as coisas que são, não? Tá acompanhando? Não tenho uma foto da minha esposa no sofá, assistindo novela, mas tem uma dela no jet ski do meu cunhado, lá na Guarapiranga. Entro aqui na Joaquim?" "Isso." 

"Ano passado me deu uma agonia, uma saudade, peguei o álbum, só tinha aqueles retratos de casório, de viagem, do jet ski, sabe o que eu fiz? Fui pra Santos. Sei lá, quis voltar naquele bar." "E aí?!" "Aí que o bar tinha fechado em 94, mas o proprietário, um senhor de idade, ainda morava no imóvel. Eu expliquei a minha história, ele falou: Entra'. Foi lá num armário, trouxe uma caixa de sapatos e disse: É tudo foto do bar, pode escolher uma, leva de recordação'." 

Paramos num farol. Ele tirou a carteira do bolso, pegou a foto e me deu: umas 50 pessoas pelas mesas, mais umas tantas no balcão. "Olha a data aí no cantinho, embaixo." "1º de junho de 1988?" "Pois é. Quando eu peguei essa foto e vi a data, nem acreditei, corri o olho pelas mesas, vendo se achava nós aí no meio, mas não. Todo dia eu olho essa foto e fico danado, pensando: será que a gente ainda vai chegar ou será que a gente já foi embora? Vou morrer com essa dúvida. De qualquer forma, taí o testemunho: foi nesse lugar, nesse dia, tá fazendo 25 anos, hoje. Ali do lado da banca, tá bom pra você?"


Antonio Prata

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Esquinas e Cantos





 
Dileto
consciente
perseguido por sombras
clarividência e gracejos.

Do topo da colina
via rastro iluminado
território perdido
penumbras
passado.

Cartas perdidas
sentimentos marcados
elos banidos
mal planejados.

A história do homem
holístico colar de contas,
debulhadas, calcificadas
febris amuletos
perdidos sem nome.

Abaixo dos móveis
criados mudos
esquinas cruzadas
praças poentes
penhores falidos
irrecuperáveis.

As lembranças
tolas e fiéis
levam consigo
suas marcas, agrados
os mínimos detalhes
rubores como troféus.



gianovik

Ensaio de um Penitente III


 
Não é um dia bom para escrever.


Montei esse blog como uma espécie de repositório de muita coisa que escrevia e acabava perdendo ou esquecendo em algum pendrive, HD externo, PC ou mesmo entre meus milhares de e-mails. É um repositório público é fato, mas principalmente, a menos que algo desastroso ou uma reviravolta econômica aconteça, aqui depositados não irão desaparecer entre bytes na “zona fantasma” ou papéis velhos embolorados.

É um depósito sem nenhuma segurança, mas com objetividade de sobra para que da idéia mais pérfida ou corolário com poder sonífero digno do DOU, nada se dissolva, e um dia quem sabe, pela intermitência essa soma de conteúdos crie personalidade própria, delimitem onde de fato pretendo chegar, ou sejam somente minha pequena estrada de tijolos amarelos. A verdade é que de um rabisco de parede a uma coletânea estratosférica de compêndios, se o pensamento não for manuscrito, se perpetua apenas em planos selenitas. O estado carnal necessita desses fatos colonizando telas digitais, folhas ou mesmo rodapés de página.


Gosto muito de reflexões e mergulhar na observação dos elementos que nos cercam. Discorrer sobre cada forma, desde a mais abjeta até a mais complexa de todas, (da qual temo que sejamos vítimas), é sem dúvida meu humilde estudo semântico da singularidade da vida.


Enfim, vez ou outra acho benéfico e salutar postar textos alhures aos meus. Encontrei essa reflexão do Mestre em meditação OSHO extremamente digna de contemplação.


Aproveitem.





A Arte de Morrer




"Não seja zangado com a vida. Não é a vida que está frustrando você, é você que não está ouvindo a vida. E isto eu chamo um critério, uma pedra de toque: se você vir algum santo que é contra a vida, amargo contra a vida, saiba bem que ele ainda não entendeu. Caso contrário, ele vai se curvar para a vida em profundo respeito e reverência, porque a vida despertou-o para fora dos seus sonhos.


A vida é muito chocante. É por isso que a vida é dolorosa. A dor vem porque você está desejando algo que não é possível. Ela não vem da vida, vem de suas expectativas.


As pessoas dizem que o homem propõe e Deus dispõe. Isso nunca aconteceu. Deus nunca dispôs ninguém. Mas em sua própria proposição, você já a elimina. Ouça a proposição de Deus, mantenha suas próprias proposições para si mesmo. Mantenha a calma.


Ouça o que o Todo está propondo - não tente ter seus objetivos particulares, não tente ter seus desejos particulares. Não pergunte nada individualmente - O Todo está se movendo para seu destino. Você simplesmente seja parte dele. Coopere. Não esteja em conflito. Entregue-se a ele. E a vida sempre lhe envia de volta para a sua própria realidade - é por isso que é chocante.


Ela choca você porque não preenche seus sonhos. E é bom que a vida nunca preencha seus sonhos - ela sempre segue dispondo de algum modo. Ele lhe dá mil e uma oportunidades para ser frustrado, para que você possa entender que as expectativas não são boas e os sonhos são fúteis e os desejos nunca são cumpridos. Então, você abandona o sonho, abandona o desejo, abandona o propósito. De repente, você está de volta para casa e lá está o tesouro."


OSHO

sábado, 1 de junho de 2013

Mandalas




 

Erigir a vida é como construir mandalas de areia. Ter a consciência que por mais delicada que seja e protegida das intempéries do mundo, o mínimo descuido ou lufada de vento pode obrigar-nos a recomeçar todos os anos, quiçá todos os dias. E uma mandala nunca é igual a outra, porque a cada desfazimento a vida recomeça novamente.

E isso é bom.

Viver varias vidas em uma é privilégio de poucos. Recomeçar todo o processo de escolher as cores, a geometria, as porções exatas de areia, o terreno e suas proporções, e viver sob o processo de eterna vigília, consciente e sábio da impermanência do próprio esforço, é fonte de sabedoria e consciência da natureza do que somos e do que "materialmente" nunca seremos, eternos.

Então começa o verdadeiro crescimento do ser consciente de sua existência e de suas limitações. Inicia-se o verdadeiro processo de aprender a perdoar ao próximo, e principalmente, a si mesmo, daí agradecer pelos seus decaimentos muito mais que pelas suas glórias. Não há edificação maior do que a das más escolhas, dores cíclicas na alma, lágrimas que há tanto sufocadas vem à tona. Não é um ato de masoquismo vangloriar nenhum desses elementos, são o que menos queremos e esperamos como propósito evolutivo, mas são com certeza o caminho mais preciso e direto pro auto conhecimento.

Aproveite a abundância de areia na natureza, ela será sempre bem vinda; e no momento certo, retirar o entulho consequente de atos falhos, principalmente dos fracassos que não foram diretamente ligados às escolhas feitas, e que erroneamente absorvemos.

Recomece. Esse dom esta presente nos seres mais fundamentais da natureza. Se pararmos pra reparar por exemplo, num simples formigueiro que por distração destruímos, aqueles minúsculos seres não hesitam um segundo sequer após o alvoroço inicial, em instintivamente reconstruir pacientemente sua mandala. Por que hesitaríamos então ?

Escolha suas cores, suas porções de areia, não viva baseado em lembranças, use-as como fonte de refinamento das formas que irá definir em seu mantra de silício, e viva sim, do que ainda esta por vir.



gianovik