quinta-feira, 25 de abril de 2013

Inquietude





"Se hoje virei seu canto, no desencanto dos seus olhos vislumbrei meus tropeços,
no vão entre meus delírios arquejei em desacordos.
Pobre de mim que não soube amar na aurora da vida,
 arraigado de tantos sonhos,
quedo-me arfante a imaginar teus braços entrelaçados aos meus.

Com o viço da juventude já tardio,
revivo os suspiros dos lábios ante a penumbra arrebatados,
encontro nos cheiros e nas gavetas resquícios de desejos,
papéis embotados de esperança,
 bilhetes impregnados de suspiros.


Cada retalho embolorado é capaz de remontar 
o mapa da nossa fiel aquiescência,
mas impossível refletir a intensidade dos momentos perdidos,
 envolventes
porém tão fortemente gravados em noites e lençóis retorcidos de tanto prazer.

Que falta sinto dos anseios, das noites sem vento,
 do mato enclausurado ao longe,
das árvores, da casa sobre seus galhos,
 do princípio de fé tão fortemente agregado a teu seio,
da matemática e do cuidado que só quem ama sabe equalizar no alforge de pequenos instantes.

E essa inquietude é que me traz ao teu viver cada segundo,
e respiro essa força como suprimento para cada manhã
 que suspendo a carga da existência. 
Encontro forças pra entender o que vivi quando no ar absorvo
 a menor partícula da tua matéria, 
seja quando te imagino, ou quando te materializo ao pronunciar tua marca,
teu mantra vocal, tua flor na soleira da canção, teu simples e singelo nome."



gianovik

Fábula da Mesmice





O que se pode escrever quando não se tem nada a dizer ?

Tem dias que sinto inspiração pra escrever um artigo de folha dupla ou começar um romance com metade do enredo já protagonizado na mente, mas tem dias como hoje … Que a maldita Fábula da Mesmice me ataca !!!

Mas o mundo as vezes parece mesmo contaminado pela repetição crônica. O sol nasce, o sol se põe, e nesse ciclo vicioso o mundo se entristece com as horas consumindo cada momento de criatividade. Diga-se de passagem falta de criatividade, pois me recordo que minha grande diferença na infância foi ser um grande germinador de fantasias e sonhos.

Era fácil pra mim comandar as brincadeiras, imaginar os castelos, delinear tropas e exércitos de inimigos nas muitas brincadeiras que instintivamente “gerenciei” com meus irmãos e amigos.

Dizia : - Ali tem uma montanha onde existem alguns arbustos com espinhos. Um pouco acima nós vamos colocar as tropas a escalar o lado norte pra tentar alcançar o acampamento inimigo.

E do jeito que eu descrevia o cenário, ele se materializava na mente de todos ao meu redor, podia ver no olhar de cada um, que eles enxergavam cada aresta, folha, pedra, aclive e nuance da planície ou do despenhadeiro evocado pela minha imaginação.

Era imenso o poder da criação !! A imaginação fértil que até hoje me move fez por muitas vezes da fantasia cenário milhares de vezes mais emocionante do que o plano real.

Havia dias que por teletransporte ou por ilusionismo era materializado nesse mundo. E o mundo era perfeito. Viver era uma inversão de polos onde o real era o imaginário e o imaginário era o real.

Mas a vida é elemento ciumento e mulher vingativa ( porque nada pode ser mais vingativo do que uma mulher magoada !), não admite realização plena nem felicidade incondicional, e ela te puxa num espasmo errante e te parturia de volta ao frio e seco resfolegar dos sentidos.

E você percebe que estar vivo não é algo tão criativo assim.

É vibrante e irrevogavelmente um deleite único fazer parte desse plano, mas a lembrança que muitas vezes te contamina ao nascer doutros paralelos, faz de cada elemento errante um herdeiro cigano de um lugar antes vivido.

Por isso que não se pode jamais cair na malha fina de aço da ociosidade. Parar de criar ou de redefinir cada momento fatalmente nos fara viver num plano de realizações mornas e enfadonhas.

Criar é sempre bem melhor do que ser somente a criatura.

ps.: Ué ? E não é que deu pra escrever alguma coisa mesmo sem inspiração nenhuma ??????

gianovik

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Ao largo



"Não notei que passaras, e nem sei o porque,
Vi-te um dia, nas cinzas, como folião 
A desfilar teus fetiches pela noite febril. 

Engraçado que nem me notaras, nunca
me vistes, e como fantasma, perante sua própria cara,
 vazastes meu eu incontáveis vezes. 

E quando de fato, por uma nesga do olfato, 
tu me pressentiu,
 já cego no mundo jazia, 
este parco corpo senil. 

Passamos ao largo, 
projetados em colisão frontal e explicita,
 mas só senti verdadeiro impacto,
 quando o torpor suavemente extinguiu. 

Éramos assim, inteiros, e por motivo 
Algum, feito em pedaços,
Antes mesmo de saber, que de fato
Algo entre nós existiu. "
 
gianovik

Apêndice




“Uma vez, em plena sala de cirurgia, com as horas e minutos castigando os pestilentos ensejos que a hora urgia, de viés a porta a luz mostrou, com as roupas partidas, os pés descalços e o silêncio do corpo imberbe, caminhos se abriram e a fuga se desenhou, fui pelos corredores, como rato nas sombras inerte, portas se abriram na inconsequência de ato tão breve, e no silêncio, velas e fachos brilhantes anunciaram-me fora, fora do hospital, fora da truculência das dores deste ambiente infecundo, faminto por não ser algoz de lâminas e anzóis a perscrutar minhas entranhas, enfadado de ser vítima dessa nojenta biologia humana.

Com um lapso certeiro, as quadras ficaram pra trás, e de um monte alto, frio e faceiro, vi o hospital ao longe, como um postal, rabiscado de cores sádicas, carros e monólitos febris jaziam em suas calçadas, gritos ecoavam, mãos tateavam a introvertida virtude de nossa natureza calejada, e em um impulso, entre o deixar o calvário e o voltar pro patíbulo, vi-me com a seguinte conclusão : 


Não haverá retorno, nada será como antes,
vou ou fico nesse embrolho,
crio coragem e sigo adiante ?

Minha vida por um fio, as dores lancinantes
e a cada instante, a razão não me comove,
leio meu rosto no reflexo da neblina em torno
e penso : corre ?

Retorno pro destino certeiro, pra faca de um
médico, filho da purga, açougueiro,
aceito meu destino, sento na relva, e perdôo
os desatinos de ser breve e arengueiro ? Qual escolho ?


E num piscar de olhos, entre o certo ou filosófico, sedo-me novamente na sala de cirurgia, aguardando, óbvio, que a dissecação fosse breve, pois no ímpeto da fuga, esqueci a tátil verdade, não era um direto daquele reles fedelho, decidir sobre a vida ou a morte, outros tiveram claro, menos sorte, meus pais não mereciam fosse um espírito errante, sofrimento demasiado pra quem foi só egoísmo, num ato infantil e desumano… e nem era pra tanto, só perdi-me por alguns instantes ? ”

A vida nunca me pertenceu, mesmo quando quis que assim o fosse.

gianovik