quinta-feira, 24 de julho de 2014

Remido







EstRei de embocadura
EmiTente e pomposo
Nauseabundo, preâmbulos
Em suas profundas entranhas
Cobiçado por muitos, enojado por tantos.

Redentor sequer do próprio plano
Crucificado ao acaso por cravos, camélias,
outros opacos, sépticos entalhos
Adocicado por línguas, ferino por natureza,
prostrado ao re'manso', como castigo constante,
destituído de toda e qualquer nobreza, reles e fiel verme humano.

Parasita anglicano, enfadado dos cânticos vagos e “rubóricos”,
lançado a sarjeta, destinado não a pobreza,
mas ao total desengano, de ser pobre não de riquezas,
mas de amor fluído e fecundo.

Parte sem rastro, lastro, troféus ou menções,
retorna às profundas grotas, sem saber jamais,
se algum momento fez parte deste, ou outro mundo.





gianovik

terça-feira, 15 de julho de 2014

Segundos ...






Tenho apenas alguns segundos para me expressar …
nem um minuto completo... poucos e simples gestos …
desarvorado em pressa, palavras que nada e pouco me afetam
pois cada segundo é repleto, é mais precioso, corrido...
perdido num labirinto de confusas setas, vírgulas, acentos, sons
falidos sentidos, amores confusos, total e perdido nesse verso sem nexo...




gianovik

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Presente





Deus me deu a dádiva da poesia apenas como companhia, pra ser exato e sublime, completo e se feliz quem sabe, repleto de  amor sem foco. Pois quando não vejo, sinto, toco, beijo ou abraço, é o amor de fato quem se projeta nos versos, e me acalento nos traços dessa força eterna.



gianovik

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Soneto em Segredo







O silêncio me inspira;
me expira votos, segredos disfarçados de fábulas.

Anuncia, desnuda todo vazio, como o tilintar de badalos mudos.
Nem o chiado ao vibrar dos lábios denuncia qualquer resquício, qualquer barulho.

É o silêncio meu predador cínico, maroto, infiel e absoluto.
Inquieto e voraz, absorto no vazio das lufadas por cada fresta de ar.

É soberano, orquestrando a chegada de um vazio oculto, ardiloso,
em rajadas castigadas por gélido olfato, sempre sedento,
vazado na atmosfera engastada, em único e mortal desfecho.






gianovik

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Transitória







"A rigor a vida segue, com sapatos de gala em elegante farrapo, desfilando seus esquálidos ossos pelos oblíquos cantos e vielas.

A vida segue, sempre na sua infame e desonesta farsa social, risos metálicos em dentes forjados na puritana alcova de plácidos solares, olhos esbugalhados numa curiosa "misancene" entre mirar os próprios pés, a não tropeçar no rabo dos transeuntes ao lado, à frente, ou na própria cauda delgada.

A vida segue, ladeira, morro, planície ou serrado, girando sempre ao contrário, como a frear um destino fadado ao descaso.

A vida, puta de qualquer esquina, com um riso famélico de cigarro úmido e opaco, num canto de beiço sofrido e ressecado, mendigando farelos de afeto, qualquer suado e mesclado abraço, cópula miúda e de fétidos odores gástricos, tremores premeditados, tudo na aparência de simples trocados; mentirosos disfarçados de seres afáveis, ungindo seus corpos com bênçãos invisíveis de um deus imaginário.

Essa é a vida humana, paquiderme que se arrasta "abufelado" a espera de um mísero enfarto, algo que traga algum sentido ou ao menos poucos amigos, na aba a levar mais um pobre coitado ao descanso almejado. E afinal, todo esse espetáculo validou ao menos o valor desse cínico parto ? Que ato divino pode se dizer, peregrina num universo de hipóteses e no final, tão óbvio destino ?

Pois ao pó que ventila as narinas, que opera química enérgica e contamina as adegas, meu quarto, ou qualquer desertificado vivente, fará diferença ao fim o raiar do solar compasso ?

O Ciclo de vida é pontual. É final grotesco, onde a obra não justifica nem o fim, quanto mais o alicerce que habita cada começo. Deus hilário, sarcástico, autoritário e sublime, que não encerra nada que começa ou termina de fato a prova nos seus arautos. Como espantalho aos pombos, gralhas e insetos, trepido a tão fremente embaraço, virei casa de insetos, habito agora do outro lado, sem abas, batentes, apoios, tenência, só uma sutil demência. Meu eu. Único e quem sabe, real, ao menos, ao tato. "




gianovik

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cortejo




Quero no dia, que a vida abandonar meus olhos
 miçangas entre os dentes, calafrios e não remorsos
cochichos ao pé da alcova, alguns transeuntes coloridos
 sapateados sinfônicos, olhares curiosos com sorrisos matreiros.

 Quero nesse instante, antes de tudo
 um abraço caridoso, repleto de amor e aconchego
para chegar sem medo, aos corcéis que me escoltam. 

Quero nesse dia, amor que resplandeça
nada de prantos !
 Não quero tristeza nem cinismo
 só a saudade desses encantos. 

Quero lápide serena, onde repousar meu colo
 rebuscar crianças correndo
 fontes jorrando, varais mareados
 bandeiras festivas e céu salpicado de estrelas.

Quero ao cerrar os olhos, certeza que perdi sequer
 uma aurora ou sol poente, respirar como num sopro ufano
 a derradeira pétala de olfato, beijar cada insipidez eloqüente
trancar na alma a loucura dos afagos,
que jazem embrulhados neste ente profano.

Quero partir inteiro, amado e amante
belo ou feio, falho, humano
covarde e delirante, de que importa?
 Apenas escravo confesso,
de amores únicos e verdadeiros.





gianovik

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Poema em linha Reta - Fernando Pessoa





Ao Mestre com amplos louvores, onde preconizo nesses espartanos tempos, cada sílaba de todas as palavras. - gianovik






"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
(…)
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa )

sábado, 29 de março de 2014

Serenidade






Não me dou bem com o ódio. Até sou bem treinado nas artes de transparecer revolta e mágoa, mas sou inequivocamente devoto do amor que une toda circunstância que circunda a vida. Alguns ficam meio que curiosos achando como pode alguém querer ou viver "aparentemente" só e achar que isso é natural. Mal sabem eles que o natural seria, contra todas as evidências que nós cercam, não haver qualquer vestígio de vida na terra, e aqui estamos, num mundo originado de uma química de gases venenosos e temperaturas abissais, caminhando e questionando a "solidão" alheia como anormalidade social.


Não entendo o ser humano. Não compreendo principalmente a incapacidade e cegueira de alguns em não se bastarem como indivíduos. Não que apregoe o isolamento social, mas se bastar consiste em no mínimo se dar bem com a única companhia que não da pra exilar do ambiente, ou seja, a si próprio. É certo que vivemos e procriamos em sociedade como manada que tem como projeto genômico a obrigação de perpetuar a espécie; agora pergunto quantas pessoas que vivem e sociabilizam sua experiência com desconhecidos, família ou amigos, de fato conhecem ou algum dia pararam pra conhecer a si mesmas? Vivem um cotidiano onde a convivência e pluralidade de experiências são muitas vezes tentativas risíveis de ocuparem todo o espaço-tempo possível, evitando assim caírem em algum momento no descuido da reflexão do indivíduo. Do indivíduo que ele próprio representa, da essência de vida que está lacrada em si. Afinal, a solidão que transparece muitas vezes nos idosos, quando não mais se tornam atraentes e participativos à sociedade, se deve profundamente ao desconhecimento do ser mais importante que somos: o seu eu interior, o amar a si mesmo, o acordar e sentir plenitude de vida no organismo complexo que se move aos comandos do cérebro, a centelha de Deus que se reflete no sorriso de uma criança ao se olhar no espelho, ou no idoso de visão turva que no reflexo muitas vezes admite não se reconhecer.


Quem não admite e se da conta de que é possível amar e ser feliz na "aparência" ilusória da solidão, não sabe e nem nunca saberá o que a vida tem de fato a oferecer. A felicidade é uma escolha individual, embasada na presunção de que estamos no mínimo satisfeitos com aquilo que somos e a trilha que seguimos, quem não a escolhe aí sim estará só, e com certeza terá aprendido uma lição de vida minimalista e mesquinha sobre a dádiva de existir e de amar.

 

gianovik

sábado, 22 de março de 2014

Sonho Perfeito







Vi-te em mim todas as noites,
e desejei mergulhar neste vazio a tanto conhecido,
via-te em vultos distantes, desbotada, aquarela salpicada de cores,
brilhantes, transpirando seus tons de lírio e pétalas cor de sangue,
fascinante junto ao sol arfante, pairando entre o céu, mar, rios, florestas,
como numa festa desordenada; de vaga-lumes vidrados,
voando ressabiados, explícitos alvos nesse irreversível contato.

Eras tão presente que na ausência de ti não mais pensei em procurar,
dentro de mim sabia simples e certeiro, sempre onde se ausentava.

Escondida ali, como eu, infante e medrosa,
na copa da mais alta e frondosa árvore, recolhida no ventre verde da flora.

Então ali juntos, no bailar do leque de galhos e folhas, pássaros e insetos,
na sinfonia rupestre de ruídos secretos, éramos de fato um só sonho,
simples e abjetos ao mundo, perfeitos, sem precisar estar jamais em outro lugar.

Feitos um para o outro, livres do torto e do certo,
criados a imagem do nosso universo, felizes, sem mais ninguém por perto.

Declaro-te sonho perfeito. Onde mais desejaria estar ?



gianovik

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Pronúncia










Algo começado, não sei por que lado
paralelo à algum plano, como restos lançados
ao fardo temido de conter puro engano.

Sou retrato rasgado, desmilinguido
sitiado em qualquer canto, sem dimensão
num deslize insano de cavaco e soprano.

Enfadonho e “desritmado”, aforismo da aparência de ser
um legado ligado ao instante, tão adergado
como primeiros versos decorados no delírio de bar qualquer.

Fingir ser poeta é melhor do que sê-lo, afaga um ego pungente
floreado por vividas cortesãs, a arar o jamais germinado.
E na fantasiosa solidão de um quarto, desligado de tolos recados
  nesse esforço escavar profundo poço
em rocha com plumas e afagos;
essa odiosa ilusão, causa profundos espasmos
na dileta ausência do escárnio.

É quase um pecado externar essas vis lamúrias,
em palavras que só decretam amor abjeto
apenas o desejo de tê-lo, pueril, pleno e concreto
e quem sabe, demarcado no profundo inverno que me resta,
na herança que fui, como pronúncia e esboço.



gianovik

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Ecos



 
A perda é sempre inevitável.
Estamos aqui, diferente do que pensamos, pra perder.

Até o mesmo o tempo desperdiçado, a ineficácia das atitudes, as lamúrias que não produzem fatos, não impedem o caminho de aprendizado, cedo ou tarde, todo vivente terá a lição que precisa, seja numa vida de esforço e perseverança, recebendo as dádivas de conhecimento em doses homeopáticas, seja numa escalada de ócio e desperdício sem precedentes, esse já medicado ao final em doses descomunais de sabedoria.

A vida é um presente, um presente único, onde não há vitoriosos.

Por que a grande vitória reside numa trama muito mais intrincada e elaborada, e essa vitória é que sinto ecoar em tons estranhos no meu íntimo, afirmando categoricamente : " - Não existe nada lá fora para ti". Por que o que importa, o que vale mesmo e o que vou levar como herança é aquilo que está dentro do meu ser. O que seduz é o que está na minha, na nossa bagagem espiritual. As "coisas" adquiridas não são vitórias, são meras consequências do prodígio em “emular” situações explicitamente fugazes. A vitória é uma jornada de tropeços, mas que sempre te arremessam em linearidade ao encalço dela. Penso sempre que se tivesse tido uma existência com total ausência de erros e fracassos, que tipo de ser arrogante e presunçoso não seria. Seria menos do que humano, mais próximo de um Hitler do que de um Gandhi.


gianovik



 




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Contornos






Eu queria escrever ... escrever como antes,
 como quem não sabia pelo que escrever,
 e entoar cada sílaba como sinuosa :  poesia,
 sempre em breves instantes. 

Eu queria escrever, circular cada letra,
 empilhar as angústias num rodapé bem distante,
 quase dobrado, malfadado, 
como não visto antes, por si só : ilegível.

Eu queria saber, não lograr nem sentir, 
repicar meus sentidos na penumbra, 
cada letra esculpir a renúncia por ter, 
seus predicados perdidos; 
banidos : desfilar tal qual pena, 
que desenha sem traço nem falha, 
sem linhas quebradas quiçá reticências.




gianovik


sábado, 1 de fevereiro de 2014

O último poema - Manuel Bandeira




:-) Quem sabe sonhar um dia escrever e dizer tanto com tão pouco ... 


"Assim eu quereria meu último poema

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação."
Manuel Bandeira )