sábado, 29 de março de 2014

Serenidade






Não me dou bem com o ódio. Até sou bem treinado nas artes de transparecer revolta e mágoa, mas sou inequivocamente devoto do amor que une toda circunstância que circunda a vida. Alguns ficam meio que curiosos achando como pode alguém querer ou viver "aparentemente" só e achar que isso é natural. Mal sabem eles que o natural seria, contra todas as evidências que nós cercam, não haver qualquer vestígio de vida na terra, e aqui estamos, num mundo originado de uma química de gases venenosos e temperaturas abissais, caminhando e questionando a "solidão" alheia como anormalidade social.


Não entendo o ser humano. Não compreendo principalmente a incapacidade e cegueira de alguns em não se bastarem como indivíduos. Não que apregoe o isolamento social, mas se bastar consiste em no mínimo se dar bem com a única companhia que não da pra exilar do ambiente, ou seja, a si próprio. É certo que vivemos e procriamos em sociedade como manada que tem como projeto genômico a obrigação de perpetuar a espécie; agora pergunto quantas pessoas que vivem e sociabilizam sua experiência com desconhecidos, família ou amigos, de fato conhecem ou algum dia pararam pra conhecer a si mesmas? Vivem um cotidiano onde a convivência e pluralidade de experiências são muitas vezes tentativas risíveis de ocuparem todo o espaço-tempo possível, evitando assim caírem em algum momento no descuido da reflexão do indivíduo. Do indivíduo que ele próprio representa, da essência de vida que está lacrada em si. Afinal, a solidão que transparece muitas vezes nos idosos, quando não mais se tornam atraentes e participativos à sociedade, se deve profundamente ao desconhecimento do ser mais importante que somos: o seu eu interior, o amar a si mesmo, o acordar e sentir plenitude de vida no organismo complexo que se move aos comandos do cérebro, a centelha de Deus que se reflete no sorriso de uma criança ao se olhar no espelho, ou no idoso de visão turva que no reflexo muitas vezes admite não se reconhecer.


Quem não admite e se da conta de que é possível amar e ser feliz na "aparência" ilusória da solidão, não sabe e nem nunca saberá o que a vida tem de fato a oferecer. A felicidade é uma escolha individual, embasada na presunção de que estamos no mínimo satisfeitos com aquilo que somos e a trilha que seguimos, quem não a escolhe aí sim estará só, e com certeza terá aprendido uma lição de vida minimalista e mesquinha sobre a dádiva de existir e de amar.

 

gianovik

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