quarta-feira, 20 de março de 2013

Laço de Fita


Era pra ser um poema.

Eu queria mesmo era te desejar um poema, desses que levantam as folhas do chão e as congelam no ar, causando uma pausa pra respirar e absorver a magia sonora dos versos. Passei dias invocando essa veia caótica que me leva a escrever mesmo sem rima ou métrica.

Não veio. Não veio a rima, não veio o soneto, não apareceu sequer um parágrafo ou uma poesia de cordel. Fiquei pensando comigo mesmo. Era só isso que eu podia te desejar ? Dois ou três poemas passados resumem meus anseios e minha capacidade de expressar meus sentimentos ?

Comecei a ficar desesperado, pois datas não esperam inspirações, os dias como um rolo compressor esmagando minha indecisão.

Mas eu queria um poema. Pelo menos algumas linhas. Não sou capaz mesmo de fazer poemas épicos, porque então essa mania de querer algo tão complexo que supere o que já tenha escrito ou que congele o sentimento pra eternizar algumas estrofes ?

Então decidi abandonar a rima, as quadras, as linhas, o tempo, o que já passou, o sentimento, a data, os anos, a comemoração, o sorriso, o próprio intuito de escrever …. e passei a só ouvir :

Laço de Fita

“Papel de bala dourado, presente pra laço de fita
ridícula minha intenção, enfeitar o que é tão belo,
fazer um efeito singelo, pra luz do sol confrontar,
como fazer do perfeito, pretérito mais que perfeito
com um ou dois adereços ?

Seria crime obsceno, devaneio divino,
roubo da cúria romana, descalabro sonoro
deter-me no gesto, de fazendas, seda e incensos
prorrogar meu martírio, nesta prosódia indigesta

e sob protestos, em atitude mesquinha
atirar seus presentes, ao solo espalhados
e num gesto egoísta, como plateia que sou
solicitar um gracejo, roubar teu presente
pois nada mais me restou.

Tirastes tudo de belo, que se podia almejar
arrancastes da natureza o melhor fruto,
a melhor colheita, as cores mais vivas,
o hálito mais tímido, o aconchego mais morno
como um laço de fita, poderia então te somar ?”


gianovik

sexta-feira, 8 de março de 2013

Dia 8 de Março - Dia Internacional da Mulher





Um dia pra se comemorar sim. 

Séculos de opressão e desigualdade entre sexos hoje tão iguais e soberanos entre si. Está certo que ainda falta muito pra que se diga que o respeito de gêneros esta a níveis sociais equitativos, mas muito se avançou e se conquistou. Eu poderia exemplificar por muitas linhas de raciocínio e fatos essa evolução, mas não consigo ser meramente contextual, quando não consigo desvincular um dia/semana voltado pra mulher sem lembrar do exemplo de criação e hombridade daquela que me criou. 

Poderia inumerar dezenas de fatos sobre ela, mas gosto de puxar pela memória e tentar recordar pequenos momentos que ficaram gravados no fundo da gaveta sensorial, pequenos instantes que a fazem ser alguém assim tão especial a ser lembrada esse dia :

Lembro de ser arrastado, puxado mesmo, em direção à pequena escola a três quadras de casa, visível era minha relutância em não querer estar ali. Devia ser uma dessas escolas maternais de bairro, coisa já comum na década de 70. Lembro bem do berreiro que abria quando era deixado lá, e lembro que sempre recebia algum agrado dela pra que me calasse e aceitasse conviver com as outras crianças. Lembro essencialmente de uma pequena carruagem plástica que vendia junto com algum doce, desses doces que se vendia há época nos "fiteiros" de esquina, e que ela sempre me comprava pra aceitar a distância momentânea do calor daquele colo, da segurança de sua vigilância. Engraçado era que sempre terminava a manhã sem a bendita carruagem, pois nem brincava com as crianças, nem fazia bem as tarefas, e no máximo ficava olhando a movimentação e gritaria geral, enquanto ficava prostrado na pequena janela do recinto esperando a hora dela vir me resgatar.

Através dos olhos de minha mãe felicito todas as mulheres por suas conquistas e pequenas batalhas de todo dia, que mesmo sem terem de fato transportado seus filhos em carruagens, souberam zelar pela segurança, moralidade e educação que transformou toda uma geração de homens em seus fiéis e maiores admiradores !!!

gianovik

quinta-feira, 7 de março de 2013

Nostalgia das Horas

Quando criança ganhei meu primeiro relógio. Lembro que sequer sabia decifrar as horas e quando intimado por elas pelo mundo adulto, ficava contando as casas decimais pra saber exatamente que informação ia dar. Adulto é um ser sacana, vê uma criança de quatro anos com relógio analógico no pulso e faz de propósito, só pra embaralhar e embaraçar a cabeça do moleque.

Depois já maior comprei da vizinha, que parcelava em enésimas vezes, meu primeiro relógio digital. Lembro que algumas vezes relutei contra o sono somente pra ver o momento exato em que as horas zeravam e um novo dia surgia no visor.

Hoje, diferente da adolescência em que sempre comprava, trocava ou vendia um destes brinquedos para sempre ter um modelo de relógio melhor, me vejo com vários relógios guardados na gaveta, e todos parados.

Parados porque simplesmente não tem mais bateria. A bateria deles se foi como também se esvaiu o interesse e a magia de todos eles.

São como os brinquedos da infância empoeirados nos armários ou encaixotados nas lembranças no fundo do quarto de despensa.

Não foi a magia dos ponteiros ou o brilho dos dígitos de LCD que abandonou com o tempo seu encanto, e sim a alegria da conquista e o esforço dedicado e infantil que cessou seu movimento em meu espírito.

Os ponteiros parados e os cristais apagados estão representando a hora exata em que inadvertidamente parei, e percebi que o tempo não era contado ou marcado pelo movimento incessante de seus intrincados mecanismos, mas era mensurado sim pela alegria que havia na sensação única de estar de posse de um novo "contador das horas”, um novo instrumento tecnológico, um cronometro regressivo pra novas aventuras, um simples brinquedo que no passar das horas girava junto com o movimento de minha própria existência, regulando a expectativa e ansiedade por novos tempos.

Hoje percebo essa triste realidade meramente lembrando aquele primeiro relógio, e tantos anos depois percebo que minha dificuldade em "ler" as horas não estava presa a questões matemáticas ou a soma de dígitos, mas ao foco naquilo que estava tentando ver. Meu relógio era do Mickey Mouse. Eu prestava mais atenção no desenho do rato e nos seus braços (ponteiros) do que no próprio significado cabal das horas.

A magia da vida e do tempo está nos olhos de quem vê, não no objeto vislumbrado, não no mundo lá fora.

gianovik

Quem me dera.

"Quem me dera saber escrever poemas, 
nada mais sei que unir desejos, gestos e fonemas 
no mais simples conjunto de emoções. 

Quem me dera escrever em prosa,
em rima carinhosa,
todos os sonhos que outrora vislumbrei.

O que seria de mim se pelo menos por um instante,
ao vislumbre distante de um olhar perdido,
faminto e descomprometido, agarrar-te o braço;

e antes do estampido de um tapa,
pronunciar três ou seis palavras,
e teu susto transformar em riso.

Mas não sei escrever poesia, 

não tenho essa maestria,
não sei traduzir paixões em letras."


gianovik

Como quem escreve pra si mesmo.

       Escrever, escrever, escrever … quando aprendi essa coisa, e aprendi bem cedo, descobri que não importava o que, quando ou o que, nunca mais pararia.

       Não interessava se o fosse profuso, estúpido, ridículo, hilário, errôneo ou sem sentido.

        Escrever com letra ruim, escrever sobre meus rabiscos, rabiscar de novo e tentar encontrar coerência, reler antigos escritos e achá-los de uma fugacidade e dissonância tremendas, não importava, quando o nó da existência apertava a garganta o laço era desfeito na ponta da caneta, no pedaço de giz fremido no chão, no rabisco no canto do caderno, nas teclas de uma velha e antiga máquina de datilografia, no papel de feira, no verso da conta de supermercado, no teclado velho e empoeirado do computador, enfim, as comunicações e efusões de letras, garranchos e símbolos, como numa catarata psicográfica eram regurgitadas e canalizadas na sequência de inúmeros textos, contos, alguns poemas juvenis e terapias auto cognitivas. Escrever sempre foi meu real ponto de intersecção com a realidade.

        Escrever sempre foi princípio, meio e fim pra toda prova cabal de meu particípio pleno neste mundo. E não pretendo parar !

gianovik

Inspiração



"Quem me dera não ter nada de poesia,
não ter a idolatria pelos versos,
são tão poucos, tão indigestos,
não os cultivei com aprazia;

Pobre e certo do que escrevo, me arremedo
neste engano pueril, vivo pelo sonho deste enredo,
cativo destas linhas, comissário destas velas,
tripulante sem Nau, tal qual príncipe sem cinderela;

Vejo-me esvaziar lento e certeiro, como um dique,
como um escravo, livre de cativeiro,
 e nesta intensa busca por motivação, já não tenho versos,
por fim quedo-me insône, sedento por inspiração !! "

gianovik

Preguiça

“Ando meio preguiçoso quanto a escrever.
Quebrar esse parágrafo já foi prova disso.
É demorado expor certas flâmulas que sacolejam no vão das idéias, tantos pedaços e petardos que como uma cadeia de DNA esfarelada, buscam sentido, conexão enfileirada, giro preciso no vazio e na construção do raciocínio.
De um certo tempo pra cá, venho dando, quando dessas manifestações atabalhoadas, preferência à livre e independente interpretação do que acho parecer poético, dos poemas curtos e mal paridos, poemas que tropicam quando muito, de uma perna só, que numa única rajada do próprio hálito já se transbordam, escoam completos espumando pela borda do copo.
Muito mais do que o crônico somatório de sonetos, poesia está mais para a tradução descompassada da alma do que a tradicional literatura metrificada, feita como que guiada por normas de uma tabuada. Literatura que é bastante abrangente evidente, mas toda medida e projetada no chicote do paquímetro.
Eu ia fazer um poema, desregrado mesmo, mas até disso desisti.
É, a preguiça ainda vai me tornar monossilábico. "

gianovik

- Nunca duvide da mudança.

Tem dias que o esmorecimento das energias é como o apagar de uma vela em meio a tempestade, óbvio e inevitável. O olhar percorre a sala em busca de alicerces que sustentem a gravitação profunda desse sentimento crescente. Cansaço moribundo mesmo, e no percorrer das vistas tento me agarrar a coisas e lembranças que sirvam de apoio, de alavanca. Olho a estante, olho as revistas, os livros marcados em páginas que não evoluíram, as luzes dos eletrônicos que sinalizam o stand-by eterno, as paredes, essas como o escravo implorando pelo cessar do chicote, implorando por novas tintas, os perfis de candelabros marcados pela ausência de molduras, as sombras que outrora sustentaram pequenos quadros, o cheiro ocre do ar quente, companheiro decano desse exílio consciente, nada parece sustentar o corpo e a razão. 

Folheio as páginas sociais, os mesmos posts hipócritas, mensagens de auto-ajuda pinicadas como sarna nas matilhas de rua, bom dia e boa noite dos porteiros e vigias da vida digital, alegrias emplastificadas, fotos de pessoas que não reconheceria nunca em corredores estreitos de colisão um contra o  outro. 

E nesse vasculhar em busca de salvação ou algo novo, já na aurora de qualquer esperança, eis que a sensação de controle e previsibilidade da vida, neste instante tão domesticada, é abruptamente desmantelada quando um pássaro invade a cozinha, e como se toda parte de seu diminuto cérebro responsável por orientação geográfica e plano de vôo fosse arrancada, promove um verdadeiro banzeiro de rasantes  e sobre vôos, descarregando sua carga mortífera de emolumentos intestinais pelos azulejos das paredes. Na tentativa de taxear pra fora do recinto aquele bicho desarranjado, vi-me na condição de alvo grotesco e possuidor de péssima mira, pois a catapulta que usava pra sinalizar a saída do hangar, desconectou o apêndice final, acertando com seu peso e suas cerdas as panelas outrora usadas pelos últimos vestígios de meu falido matrimônio. 

Passado o aperreio do " Ícaro" avícola, finalmente deixou como herança uma cozinha com nova decoração, agora texturizada, e um ser humano de cabo de vassoura em riste, em estado pleno de susto, de gargalhar solto e espontâneo. 

Quem diria que um simples pássaro iria tornar uma tarde tão sorumbática num prelúdio e ode a eterna lei da mudança, um desfecho digno dos prefácios a física do caos e da incerteza do que vira no minuto seguinte .  gianovik

l'éternité...

"Encontro-me assim, em viagem incessante,
 dentro do trem, pelas estradas, errante como poucos,
aguilhoeiro das estepes, das farpas
dos campos e das multidões uivantes.
As vezes te encontro nesses caminhos,
seja o vestígio perdido de teu vestido, liso,
esvoaçante, curvilíneo,
cruzando e desaparecendo pelo pulsar de um espelho.

Outrossim chego quase a te tocar ,
Sinto o ouriço de teus pelos resvalar em meus dedos,
 a energia magnética quase a anodizar minhas texturas,
 meus anseios atritar nossas carnes translúcidas,
riso maroto estampando sempre um quase, um quem sabe ...

E o retalho desses louros moldado 
a imagem da vida,
que esquálida e sedenta, julga-se perdida no tempo,
Ridícula perfídia, louca e aguerrida,
Nada iguala-se a tão sublime momento. 

Quando a eternidade nos une, gruda,
solda, liqüefaz, e a matéria se desfaz em pó,
como pirilampos alçando vôo
 em todo esplendor do firmamento."

gianovik