quinta-feira, 7 de março de 2013

- Nunca duvide da mudança.

Tem dias que o esmorecimento das energias é como o apagar de uma vela em meio a tempestade, óbvio e inevitável. O olhar percorre a sala em busca de alicerces que sustentem a gravitação profunda desse sentimento crescente. Cansaço moribundo mesmo, e no percorrer das vistas tento me agarrar a coisas e lembranças que sirvam de apoio, de alavanca. Olho a estante, olho as revistas, os livros marcados em páginas que não evoluíram, as luzes dos eletrônicos que sinalizam o stand-by eterno, as paredes, essas como o escravo implorando pelo cessar do chicote, implorando por novas tintas, os perfis de candelabros marcados pela ausência de molduras, as sombras que outrora sustentaram pequenos quadros, o cheiro ocre do ar quente, companheiro decano desse exílio consciente, nada parece sustentar o corpo e a razão. 

Folheio as páginas sociais, os mesmos posts hipócritas, mensagens de auto-ajuda pinicadas como sarna nas matilhas de rua, bom dia e boa noite dos porteiros e vigias da vida digital, alegrias emplastificadas, fotos de pessoas que não reconheceria nunca em corredores estreitos de colisão um contra o  outro. 

E nesse vasculhar em busca de salvação ou algo novo, já na aurora de qualquer esperança, eis que a sensação de controle e previsibilidade da vida, neste instante tão domesticada, é abruptamente desmantelada quando um pássaro invade a cozinha, e como se toda parte de seu diminuto cérebro responsável por orientação geográfica e plano de vôo fosse arrancada, promove um verdadeiro banzeiro de rasantes  e sobre vôos, descarregando sua carga mortífera de emolumentos intestinais pelos azulejos das paredes. Na tentativa de taxear pra fora do recinto aquele bicho desarranjado, vi-me na condição de alvo grotesco e possuidor de péssima mira, pois a catapulta que usava pra sinalizar a saída do hangar, desconectou o apêndice final, acertando com seu peso e suas cerdas as panelas outrora usadas pelos últimos vestígios de meu falido matrimônio. 

Passado o aperreio do " Ícaro" avícola, finalmente deixou como herança uma cozinha com nova decoração, agora texturizada, e um ser humano de cabo de vassoura em riste, em estado pleno de susto, de gargalhar solto e espontâneo. 

Quem diria que um simples pássaro iria tornar uma tarde tão sorumbática num prelúdio e ode a eterna lei da mudança, um desfecho digno dos prefácios a física do caos e da incerteza do que vira no minuto seguinte .  gianovik

Nenhum comentário:

Postar um comentário