Tem
dias que o esmorecimento das energias é como o apagar de uma vela em
meio a tempestade, óbvio e inevitável. O olhar percorre a sala em busca
de alicerces que sustentem a gravitação profunda desse sentimento
crescente. Cansaço moribundo mesmo, e no percorrer das vistas tento me
agarrar a coisas e lembranças que sirvam de apoio, de alavanca. Olho a
estante, olho as revistas, os livros marcados em páginas que não
evoluíram, as luzes dos eletrônicos que sinalizam o stand-by eterno, as
paredes, essas como o escravo implorando pelo cessar do chicote,
implorando por novas tintas, os perfis de candelabros marcados pela
ausência de molduras, as sombras que outrora sustentaram pequenos
quadros, o cheiro ocre do ar quente, companheiro decano desse exílio
consciente, nada parece sustentar o corpo e a razão.
Folheio
as páginas sociais, os mesmos posts hipócritas, mensagens de auto-ajuda
pinicadas como sarna nas matilhas de rua, bom dia e boa noite dos
porteiros e vigias da vida digital, alegrias emplastificadas, fotos de
pessoas que não reconheceria nunca em corredores estreitos de colisão um
contra o outro.
E
nesse vasculhar em busca de salvação ou algo novo, já na aurora de
qualquer esperança, eis que a sensação de controle e previsibilidade da
vida, neste instante tão domesticada, é abruptamente desmantelada quando
um pássaro invade a cozinha, e como se toda parte de seu diminuto
cérebro responsável por orientação geográfica e plano de vôo fosse
arrancada, promove um verdadeiro banzeiro de rasantes e sobre vôos,
descarregando sua carga mortífera de emolumentos intestinais pelos
azulejos das paredes. Na tentativa de taxear pra fora do recinto aquele
bicho desarranjado, vi-me na condição de alvo grotesco e possuidor de
péssima mira, pois a catapulta que usava pra sinalizar a saída do
hangar, desconectou o apêndice final, acertando com seu peso e suas
cerdas as panelas outrora usadas pelos últimos vestígios de meu falido
matrimônio.
Passado
o aperreio do " Ícaro" avícola, finalmente deixou como herança uma
cozinha com nova decoração, agora texturizada, e um ser humano de cabo
de vassoura em riste, em estado pleno de susto, de gargalhar solto e
espontâneo.
Quem
diria que um simples pássaro iria tornar uma tarde tão sorumbática num
prelúdio e ode a eterna lei da mudança, um desfecho digno dos prefácios a
física do caos e da incerteza do que vira no minuto seguinte .
gianovik
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