segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Virá !?






“Sou apaixonado por uma mulher que talvez nem exista, embora insista na ilusão de seu nome.

Mas espero sereno a constatação dos eventos, que populem esse imaginário. Pode já ter vivido, esperando insone como eu esse encontro, ou pode sim, sequer ter nascido, na angústia de me encontrar a tempo de um riso, um abraço, ou que em meu colo repouse, a tempo de um largo e infantil enlace. Se está viva ou virá nunca sei, nunca sinto, recolho esboços de sua presença nos regalos segundos em que desperto ou apago, o eriçar de seus lábios a ditar sons "flautinos", serelepe tal qual corsa, enérgica porém doce, fugaz, translúcida e clarividente, quase a alardear um encontro, que se desfaz no litígio final de todas as noites.

Sou apaixonado por uma mulher que talvez nem exista, e que se existir talvez nem mereça, mas que existindo me faria sentido, só sabendo seu nome.”


gianovik

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Deus




Que num instante alcança o infinito, quando tudo, tudo parece perdido. Vem um sopro, quase augusto e diz, que o amor responde a tudo, preenche todo rancor, alberga toda solidão, e faz num segundo todo ar, dor e lágrimas birras infantis. Como não amar viver à espreita desse instante ? ".


gianovik


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Lua congelada - Mario Benedetti










Com esta solidão
ingrata
tranquila

com esta solidão
de sangrados achaques
de distantes uivos
de monstruoso silêncio
de lembranças em alerta
de lua congelada
de noite para outros
de olhos bem abertos

com esta solidão
desnecessária
vazia

se pode algumas vezes
entender
o amor.

(Mario Benedetti)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A Alma Imoral




Fantástico livro. Deixo aqui só esse trecho de profunda e urgente reflexão.

gianovik

“O herói do corpo é aquele que surpreende os outros e os seduz. Seus poderes são fazer uso do passado e de suas mágicas. O que já foi feito, visto, dito, falado e escutado passa a ser o instrumento para surpreender os outros. Já o herói da alma é aquele que surpreende a si mesmo e seus poderes são o que ainda não foi feito, visto, dito, falado ou escutado. (…) Enquanto o corpo se deleita com as conquistas da sedução, a alma o faz nas conquistas do assombramento pela surpresa.” (p. 46)
“Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma tendência de querer agradar à nós, aos outros e à moral de nossa cultura. Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos. E o despertar é a capacidade de perceber situações horríveis em nossas vidas, tanto no plano particular como no social e cultural. desse “horror” surge uma nova forma de ser, uma nova forma de “família”, uma nova forma de “propriedade” e uma nova forma de “tradição”. A imutabilidade do ser e da família, da propriedade e da tradição é a proposta desesperada de negar a natureza humana, que é mutante e requer novas formas de “moral”.” (pp. 64/65)
“Aquele que não faz uso de todo o potencial de sua vida, de alguma maneira diminui o potencial de todos os demais.” (p. 82)
BONDER, Nilton, A Alma Imoral, Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Carrosséis









Em vultos revoltos, vejo rostos, brisas e cheiros
papéis de carta em giro perfeito, furacões e lembranças
fardos inteiros, cestos e bornais, o arroio das aves;

E afinal? O que vejo?

Retratos que se movem, paredes deslizantes
corpos em movimento, meu eu, estanque, passivo
altivo e distante, rebuscado em sombras e escaninhos
como em um teatro, com carrosséis desbotados
espalhados por todos os lados, assistindo inerte, sozinho
o desfile dos amores passados.

Palhaço, vilão e vítima, todas as possíveis faces
emolduradas, nos botões do meu casaco
perfazem o caminho em volta dos erros, pequenos tropeços
quase nenhum acerto, mas afinal o que vejo?

Um riso torto, impregnado, dedicado, em renuncia
de um homem em sua escalada final,
pois não há dúvida, que tudo enfim
teve um singelo começo.



gianovik

domingo, 18 de agosto de 2013

Ancorado







Tenho pena de não saber amar
quando a resposta estiver ao alcance
e sua silhueta imprevista se arremeter
nem que por um instante
no encalço deste vão que me consome.


Tenho medo de não saber seu nome
de lhe esquecer como num sonho
então sinto pena de mim mesmo
por não ter atinado
que amar não tem tempo nem rosto
é um talento indisposto, e sem ofício.


Tenho amor em escala arredia
porém mesclado, à essências vorazes
há tanto tempos cingidas, aos perfumes d'outrora;
entremeios ardentes, invernos molhados
assim, como seus lábios
marcados onde não os vejo
perdidos em frenesis afãs.


Tenho receio que no fundo
desse profundo desejo
não sejas mais que um esboço
um reticente alvoroço
de um coração, ancorado a si mesmo.



gianovik

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Inesperado









Não  existem mais acasos...
 pois por acaso entenda-se : 
O inesperado
tão escasso como o solo que escavo
 desta mina seca e perturbada;
 ilhada
 fachada de círculos concêntricos
 de passadas mancas e opacas.





gianovik



quarta-feira, 7 de agosto de 2013









Não acredito em conglomerados.

Isso pra mim é definitivo.

E olha que já vi muitos. Igrejas evangélicas, cultos ecumênicos, reuniões em praça pública; o Pastor solitário com seu microfone a esturricar a traqueia em busca de fiéis, os centros espíritas com seus doutrinadores buscando unir as ciências humanas com a fé soletrada pelos médiuns, os terreiros de Umbanda em suas rodas girando e atraindo pessoas humildes e cultas em busca de respostas, aconchego, sentido ou o que seja, enfim, não existe lógica na fé fomentada por multidões ou grupos.

Nesse ponto já seria achincalhado. O que tem haver lógica com fé ?

No meu ponto de vista : Tudo.

Vale salientar que não estou a menosprezar ou diminuir qualquer crença, ideologia ou teoria Teocentrista, apenas acho diminuta a voluntariedade do homem se “escorar” nos ombros de cultos coletivos em busca do óbvio : Deus.

Caiu a ficha há anos, mas não queria aceitar. Aceitar que não me enquadro em movimentos coletivos de qualquer natureza religiosa. E olha que frequentei diversos ambientes do gênero, mas sempre em algum momento meu íntimo chegava a mesma conclusão : Caia Fora !

Não por falta de fé, de crença no divino ou sentimento de sua plena existência, mas por antever por trás das camadas de palavras proferidas a dubiedade no apregoar de cada interlocutor fervoroso. São só balbucios que não se encaixam na natureza desses membros, como textos decorados pra uma prova de última hora que não faz parte do dia a dia.

Não enxergo fé nessas reuniões, enxergo um mero teatro social de crenças não partícipes de seus íntimos.

É como um aulão de pré-vestibular, todos acham que há esperança de passar mas sabem que deviam saber e praticar esse conhecimento há tempos.

Minha fé é completa desde infância, não merece ser submetida a isso.

Deus é tão completo e perfeito na consciência do TODO, que não faz sentido ( lógica ) sentar pra elocubrar sobre algo tão sólido e transparente.

Mas … respeito opiniões contrárias, mas pra mim já deu.

O Deus que habita em mim me completa, e essa sensação me basta e me ensina todos os dias. 

É mais que suficiente.




gianovik

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Segunda consideração intempestiva


Um pouco de Friedrich Nietzsche :


O problema:

“Estamos estragados para a vida, para o ver e o ouvir corretos e simples, para a apreensão feliz do que há de mais próximo e natural (…) não estamos convencidos de termos uma vida verdadeira em nós (…), produzindo dragões conceituais, sofrendo, além disto, de uma doença das palavras e sem confiança em qualquer sensação própria, que ainda não esteja selada com palavras, como uma tal fábrica de conceitos e palavras sem vida, e, entretanto, estranhamente ativa, talvez ainda tenha o direito de dizer de mim cogito, ergo sum, mas não vivo, ergo cogito.”


A solução:

“Cada um precisa organizar o caos em si, de tal modo que se concentre nas suas necessidades autênticas. Sua sinceridade, seu caráter vigoroso e verdadeiro precisa se opor algum dia ao que apenas sempre repete o já dito, o já aprendido, o já copiado. (…) o conceito de cultura com uma physis nova e aprimorada, sem dentro e sem fora, sem dissimulação e convenção, como uma unanimidade entre vida, pensamento, aparência e querer.”

sábado, 6 de julho de 2013

Poesia de menino





Terça-feira, 26 e 27 de Maio de 1998

 
"Um dia te alcanço passarinho ,
não és tão alvo quanto a branca ;
canta ao som do meu grilinho ,
as campinas que o galo espanta .

Pela floresta faz teu ninho ;
pena que seja de tal altura ,
que até onde busco abrigo ,
vejo apenas a fartura ,
das tuas nuas madeixas ,
a farfalhar os ares , sem gorjear comigo." 1

gianovik 

1 -  Um verdadeiro achado. Ensaio poético de um tempo em que a felicidade margeou sua plenitude.


Às Seis Cartas



 

Terça-feira, 26 e 27 de Maio de 1998

 

 
"Falta o sopro divino as palavras ,
o incrível , o poder celeste.

Falta apenas a conexão mais simples ,
a conseqüência primaz da visão rudemente criada ,
a certeza da concentração energética luminosa interior
à alma.

A luz que herdei. Os sonhos ; e almejei a paz quando a força
tormentosa desencadeou nos gestos , nas expressões , a dor
violenta e a revolta sem veracidade.

O parto da vida proveniente da vida desconhecida ;
da refulgente e delirante escalada dos pensamentos ,
da medíocre reiteração dos sentidos opulentos e torpes ;
da inevitável presença divina na natureza em conflito ,
mergulho na cria "parturiada” daquele que é o todo ,
e que tudo contém sem estar contido .

No vernáculo das coloquiais intempéries ,
da simplicidade do beijo infantil , na flor que ao ser
colhida , brota o rubro tom da vida.

Ò espírito da virgem prometida ,
do licor dos seus olhos, da porta dos seus lóbulos
inebriantes, das viagens pelas encostas dispostas em
cada centímetro deste fausto corpo, turva-se
todo raciocínio.

Haverá eternidade , quando do refestelamento das mágoas ,
o afogar das dores.

Ò amor sem distâncias , sem dúvidas , sem insegurança .
Quando as mesmas moléculas de oxigênio vierem a preferir
nossos corpos como habitats itinerantes , a rejeitar
outro veículo qualquer , seremos uma única flor , mesmo que
contidos na convexidade da beleza e dos espinhos ;
não haverá cerceamento dos nossos desejos , da nossa dinâmica
emocional . Haverá energia , matéria , espírito e perplexidade
na vida , e perpétua será nossa divindade : és energia eterna em
mim , e sempre será ." 1

gianovik

 

1 - Escrevi seis cartas, de todas desisti do conteúdo, até que surgiram estas linhas acima. Por isso a poesia inicial tem este nome ( na realidade as seis cartas foram iniciadas no computador e ali mesmo feneceram. A emoção só flui na união caneta-papel, nunca me dei muito bem em escrever diretamente no computador. Todas estas linhas foram transportadas do caderno para o micro .

Ps.:  Um verdadeiro achado. Ensaio poético de um tempo em que a felicidade margeou sua plenitude.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Completo






Eu sei que posso fazer melhor.

Melhor do que ontem e de todos os
dias em que o melhor era o imperativo.

O que não posso é guardar aqui dentro, oculto,
fraudado como preso em luto perpetuo,
encapsulado em camadas de renúncia e solidão.

Inócuo ser contido; se expande e comprime
toda as artérias da alma,
paredes, ventrículos e hemisférios,
até que ensandeça a razão e trinquem-se todas
as armaduras e mascaras do molde frio da vida.

Que seja maior que toda razão e se propague.
Que a força e o desejo se satisfaçam por completo.
Que a luz ofusque os ditames lógicos e prenúncios intelectuais.
Que ele seja o todo.
Que seja íntegro … Que seja Amor.


gianovik

terça-feira, 2 de julho de 2013

Cegueira





 
Só sombras

Só sombras caminham ao meu lado.
Não há recado, diálogo
nada que traduza fausto legado
só a latência surda e abafada do tísico compasso.

As escuras não se profetizam versos
ardores penosos, banzo dos covis abafados
ternura no cintilar dos braços, cabelos, pêlos ouriçados
em consonância e luxúria com tenros pecados.

Só a vil transparência dos vultos
em negrumes fulgores, lado a lado
num cortejo solene e marcado.

E assim o amor foi guardado
exilado no interior ressequido
de cálices remissos, fétidos, enferrujados.





gianovik

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Adorável Sociopata ?




  
"Quem me dera o laço fino do teu colo, a assinar cada bilhete oculto à soleira da porta. Quem me dera a partitura de soluços e gemidos, a entoar seus traços finos de esperança e desdém. O ventre do qual perdi a conta dos espamos, partiu como se não quisera congelar o tempo, os suspiros engolfaram as lágrimas e mergulharam no pêndulo da história para nunca mais voltar. Só me resta um retalho, quase um fantoche amargurado, dos enigmas multifacetados dos quais permaneço sedento, ciente e absorto, ao lado do seu transtornado e maravilhoso ser. O tempo perdeu seu pretérito, sua chama catalisadora, enegreceu no curtume das noites marginais, banalizou-se o último vestígio deletério desta entidade. Foi-se em ti, o cinismo que me habitava. Mas não havia como evitar, como não lhe deixar partir, não se produz escala ou filtro capaz de capturar o frenesi e o fel desse doce pesadelo."



gianovik

domingo, 23 de junho de 2013

Nada será ...





Imprudente vocifera
mas nada segue adiante
de tantos fatos se apodera
colos, escoras, laços mitigantes;
afinal, como ser tão inconstante ?

Visto às penas e lamúrias
lutas fracas, forças mornas
alias, e o que importa ?

Pois nada será como antes ... 
 

Não deve a face aos infelizes
o outro gomo aos errantes
em cada lacre que desnuda
espasmos, estrépitos, rangidos;
também pudera !
Como a cingir gemidos
tal qual fera adernante.

Cai por terra, afasta as hastes
areia, poeira e lama
encerra seu Lácio suspiro
brame o discurso dos incautos
e nisso encerra o melodrama
arquejante ao ser ouvido.

Da carne nada mais lhe resta
grita alto, farto e orgulhoso
e na prosódia que se encerra,
essa ode urbana e senil
ecoa, reverbera, caça o sentido...

Pois nada será como antes …






gianovik

Contínuo



A agonia de viver no real
 produz reflexões que nem
 o estado de torpes mais
ultrajante elucidaria nas 
noites mais insones.
É um estado de alerta contínuo,
 que pluraliza verdades antes
 insondáveis e que a vileza
 dos vícios consegue 
emaranhar sem distinção 
de causa e propósito.

Viver o real é para loucos no final. 


gianovik






segunda-feira, 17 de junho de 2013

Consciência



 


Tive a sorte de nascer e crescer durante o regime militar, não pelo regime, mas pelos benefícios que hoje são quase uma lenda.

Lembro das filas indianas matutinas no pátio do colégio, a organizar a entrada das classes e cantar o hino à bandeira, ou qualquer que fosse o dia a celebrar com a respectiva toada, da revista das professoras ao asseio pessoal ( unhas, cabelo, orelhas … é, isso já existiu ! ), das anotações no caderno individual para repreender a mãe negligente, das aulas de Religião, OSPB (Organização Social e Política Brasileira), Moral e Cívica entre outras, dos cadernos de brochura que sempre estampavam na última folha algum hino, de levantar para receber os professores em sala, do silêncio que mesmo quebrado pela balbúrdia comum às crianças, um mero soslaio dos olhos do mestre silenciava os tagarelas, das tabuadas proferidas em pé à frente da classe em ritmo descompassado numa mescla de sinais sem ordem e respondidas na ponta da língua, da espera na ante-sala do diretor que nos fazia chorar pela vergonha do mau comportamento. Lembro também das brigas marcadas pro intervalo com os sempre existentes desafetos de sala, da solução sem golpes baixos, sem sangue, pela imposição infantil da força sem humilhar o colega de classe, do aperto de mão após o fim dos embates.

Vale ressaltar que tudo isso ocorreu na década de 70, não no início do século 20 como até mesmo eu relendo, parece ter se passado.

Hoje me deparo com escolas-abrigos, onde são um descarte dos filhos e não fonte de sabedoria e moralidade. Adultos graduados que usam seus celulares pra simples equações, de trabalhos escolares e monografias coladas e copiadas ( quando não encomendadas ) da internet, de pessoas inclusive com títulos "lato/stricto sensus" que não sabem defender suas ideologias e escrevem como se fosse a primeira vez na vida.

Mas não havia claro a tão sonhada liberdade de expressão e o direito público ao voto tão reivindicado e justo pelo povo.

Entendam que em nenhum momento estou a defender o militarismo ou a forma anti democrática como ele se institui em nosso país, estou a defender o direito mais básico que sempre moldou a consciência e a evolução dos povos : a educação, pois sem esse sustentáculo o progresso caminha a passos tortos e desviado do propósito de crescimento homogêneo, não gerando a mesma gama de oportunidades para os indivíduos.

E esses abusos de cerceamento de consciência e aprendizado real, estão culminando nas revoltas que se espalham por todo país mascaradas sob o manto de centavos no transporte público. Até a nação mais subdesenvolvida e engolfada pela propaganda enganosa da "situação", um dia apela aos protestos quando vê comida em excesso na TV e prato vazio na mesa, a própria mídia inconsequentemente alvejou os próprios pés com propaganda enganosa até que a população saltasse desse estado de hipnose e começasse a sentir dor.

Hoje em dia a verdadeira mídia está aqui, na internet, onde se pode falar a verdade ( e algumas mentiras claro ) sem cerceamento de expressão ou barreiras políticas.


Essa foi a falha da mídia televisiva, não contavam com as milhares de câmeras e vídeos dos celulares nas mãos de manifestantes, transeuntes e curiosos, todos bombardeando a rede com a verdade sem máscaras ou edições das centrais de vídeos privadas. Esse movimento que se iniciou pelos falados 20 centavos de passagem, está "desentalando" a voz e movendo multidões que antes não conseguiam se unir com o foco voltado apenas para a corrupção ou qualquer debate específico. Ninguém aguenta mais ver esses desmandos como se fosse algum tipo de ficção ou mais uma novela em busca de audiência.

Só nos restou ir pras ruas “quebrar” essa passividade mostrando que não é necessária a violência pra mudar a consciência de um povo.



gianovik




sexta-feira, 14 de junho de 2013

Amor e Desapego



 
Quanto egoísmo
prender seu encanto
em caixa lacrada
num abraço faminto

Quanta beleza
sempre ao largo viver
dessa fiel incerteza
e nesse deslumbre antever;

que todo amor verdadeiro
já enreda no ar, nos gorjeios
a sutil atmosfera de amar
sendo jamais prisioneiro



gianovik

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Riso Alado








Hoje sentei-me à praça.

Noite fria, com partículas de chuva “talenteando”1  os ares.

Caderno a mão, duas canetas pra fugir da Lei de Murphy, uma ideia na cabeça e tempo para desenvolvê-la. Por alguns instantes vi-me idoso, com os bolsos cheios de petiscos a atirar aos pombos. Era noite, não poderiam haver pombos, nem pombos daltônicos, sequer morcegos com essa dieta. Poucas pessoas no ambiente, crianças com seus capuzes teleguiadas por pais irresponsáveis insistindo em resfriar seus rebentos. Não sabia exatamente o que iria fazer, se um desenho da cena, uma caricatura climática ou um auto retrato parnasianista. Só sabia que precisava mudar o ambiente, sair da austeridade do velho computador, abandonar a sala, esvaziar a mente das velhas palavras que ainda restavam impregnadas nas paredes, onde as vezes descolavam e por afinidade se enredavam no caule dos pulsos. Sentia há algum tempo mastigar as mesmas proposições e perfazer anátemas sobre o mesmo conteúdo. Era necessário abrir as portas e deixá-las ir povoar outros ares, vivificar ideias estereis, proliferar novos horizontes, deixá-las livres da minha atração compulsiva.

Então na praça não seria encontrado. Era um refúgio inesperado.

Pequenas poças refletiam os holofotes halógenos a se olharem profundamente como narcisos. Vez ou outra um casal passava apressado, desconfiado, como que seguidos de perto por sombras.

Amores apressados, relações desenfreadas por uma leve garoa. Imagino ao rugir das trovoadas o ritmo que o desapego quase olímpico os sentenciaria. A chuva enfraqueceria a cola dos sentimentos, largariam as mãos como papel de bala solto ao relento, se perderiam nas esquinas em busca de abrigo, esboçariam mínimos remorsos com o abandono, iriam esperar a tormenta cessar pra se apegarem a novas paixões de verão, que se embotariam e perderiam a liga ao primeiro resfolegar de umidade do inverno.

Mas minha atenção era desviada vezes seguidas por uma linda garotinha aprisionada à saia da mãe. Era um cordão umbilical improvisado, uma continuação litúrgica da fidalguia humana. Elo de proteção, uma mecha de pano a guiar nova vida pelas calcadas, desviar das valetas, dos espelhos d'água, dos restos da humanidade descartados ao solo, como um cego guiado por cão guia. Ela ia e vinha nesse cabo de guerra de um lado ao outro. Toda vez que me fitava sorria, a caminhada era sincronizada, nem mãe nem prole perdiam o compasso, atravancavam-se ou derivavam a reboque.

E fez-me sorrir também.

E me senti ave recebedora dos farelos daquele sorriso. Era visível então o que fazia naquele lugar. Não estava a alimentar novos enredos ou fantasias dialéticas. Não era senhor das linhas e traços nem arquiteto da comiseração alheia. Estava a catar migalhas, como as aves dementadas no alvoroço das sobras, cercando os humanos numa gritante empreitada por sobrevivência.

Então vi que não havia a menor necessidade de algo ser ditado. Alimentei-me daquele sorriso por vagas duas ou três passagens, fechei o caderno, guardei uma caneta, pedi licença à mãe e ofereci delicadamente a restante à criança:


  • Escreva seu sorriso em um caderno. - Disse.
  • E como se escreve um sorriso ?
  • Do mesmo jeito que sorristes pra mim.



Eu não precisava nada criar. Aqueles sorrisos já haviam escrito em mim e repovoado o manancial interno.





gianovik




1  talenteando : licença poética





sábado, 8 de junho de 2013

Confesso






Quando me vens em tela vazia
sei pintar como poucos.
Barris de tintas tragados pelo tablado
usar o reflexo adocicado de um sol;
mareado
pra forjar contornos
emoldurar lábios
endurecer ternos olhos
preencher fendas em seu dorso.

Como coleções de estrelas e pulsares
bordo-as em mínimas sutilezas
na reentrância dos lóbulos
nos vales das costelas
nas ancas com seus sobrados.

Sei dosar o tempo de secagem
estirar-te pra alcançar mínimos detalhes
encontrar segredos, baús, alguns naufrágios
nada que já não tivesse riscado
e por cima desenhado a pulso marcado
as certezas de tão confesso amor.


gianovik

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Somas







Ainda te busco
nos olhos alheios
em passos no corredor
em delírios e ecos

Não sei d'onde virás
ou faz parte de devaneios
se já te encontrei
se passou num lampejo

Sei que és presente
todos os perfumes
mesclam-se como prova disso
todos os risos
compõem esses vestígios.

Teu sussurro sempre vem
como um arrepio
promessa ou prenúncio
de que em algum tempo, lugar
já estivemos juntos.

Mas não consigo
unir, atar
todos os intensos sinais
pra anexar num instante
essa tão relicária
soma de desejos.



gianovik

Sobre Palavras








Relendo mais uma vez o texto da poetisa Cáh Morandi :

Tenho medo de escrever certas palavras. Posso me confessar sem perceber, posso ferir alguém sem a intenção de fazê-lo. Desmorono algumas frases, maquio as expressões. Alongo um pouco mais a vírgula. Quebro linhas, reinicio um parágrafo. Minha graça é a existência da poesia. Minha agonia é o que a precede. Meu desespero é quando ela sobra, dentro de mim.”


Simples e perfeito.

Não há como dizer mais nada.





 Cáh Morandi

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Felicidade Plástica




  • Não pode ser. Ninguém pode ser feliz o tempo todo.

  • Eu também acho estranho aquele monte de postagens de alegria. Para mim parece um painel de súplicas.

  • Pois é. O que você acha de fato ? Seja sincero.

  • Acho muitas coisas. Acho que espargir felicidade em redes sociais parece sinônimo de carência, de apelo tipo : “Ei !! Eu existo, leiam minha felicidade plástica !!! Vejam meu sorriso o tempo todo exibindo como um poster que o mundo todo esta errado e somente eu estou certo.” Acho também que a primeira reação de quem vê esse tipo de publicidade é de asco, de ojeriza mesmo. Do tipo : “Ninguém pode ser feliz o tempo todo”. 

  • Para mim isso é coisa de gente esquizofrênica, pinel mesmo. Ou algum tipo de bipolaridade que só publica o lado bom da doença, se é que existe lado bom.

  • Sei lá cara. Eu fazia uso dessas redes inicialmente para aqueles vícios de postar imagens e coisas engraçadas, das primeiras sociopatias digitais. Hoje em dia mal uso.

  • Eu vou até cancelar as minhas. Causa muito problema com minha esposa. Mas diz uma coisa, pela sua experiência, acha que alguém pode permanecer em pleno estado de alegria na íntegra ?

  • Mas o que é integro nesse mundo ? Tudo vai passar. A Bíblia fala em algum lugar que “A felicidade não é desse mundo”, não que eu siga e acredite ao pé da letra no que ali está escrito, mas felicidade plena se pararmos para pensar, ao longo da vida não encheria uma semana de 7 dias. Felicidade plena deve até matar o cidadão, por isso não deve ser desse mundo mesmo. A natureza contraditória do homem não conseguiria vivenciar na carne esse frenesi por tempo demasiado, a pessoa acabaria tendo um infarto, um AVC, aneurisma sei lá ! Deve ser algo tão intenso como um orgasmo continuado. O sujeito explode.

  • Ou vai parar num hospício. Você já conheceu alguém assim no dia a dia ?

  • Hum … Deixa ver … Já ! Mas antes dessa loucura hedonista da internet e da exposição pública como padrão. Mas era outra época. As pessoas conversavam de verdade, marcavam para sair, ir ao cinema, tomar um chope e aproveitavam a simplicidade da vida. Hoje você vai a um restaurante e vê mesas cheias de zumbis conversando com seus gadgets e postando fotos o tempo todo na rede, e pouco se olhando entre si e dialogando, deveriam enfiar as pizzas nos celulares e não nas bocas. Bem, como estava dizendo, essa pessoa era especial mesmo, consegue escapar até hoje da alienação dos tempos modernos; falando nisso, outro dia fui a uma região de montanhas onde o sinal de celular nem internet cabeada chegaram ainda. Foi terrível os dois primeiros dias, mas no terceiro foi como se tivesse saído de uma espécie de transe e comecei a de fato reparar na beleza do lugar. Foi uma sensação estranha, tipo aquele filme que as pessoas pensam viver na realidade, mas na verdade estão sonhando conectados a máquinas gerando energia para inteligências artificias. Acho que é isso, toda essa modernidade está gerando inteligências artificias dentro das nossas crianças e adolescentes, e nos impregnando também. Só o fato de existirem pessoas que falam com você na rede e pessoalmente parecem lhe desconhecer já prova isso. Está sendo criado um mundo imaginário coletivo, as imaginações estão se fundindo numa mentira coletiva, em pessoas com felicidade sempre estampada nos rostos e textos. Olhando por esse prisma acho que esses pessoas e seus perfis “orgasmo-contínuo” pensam estar felizes, mas são seus alter ego digitais que esbaldam essa felicidade.

  • Cara você está viajando !

  • O mundo está viajando. Mas não mais com a mente e matéria unidos. Estão se dissociando em congeneres distintos, o criador e a criatura, o homem e o desejo projetado, a busca por afirmação e a conquista imaginária, a entidade infeliz projetada num alter ego perfeito. Não somos mais a mesma raça, a humana criou a raça idealizada. Só há uma falha nisso.

  • Qual ó Rei das viagens imaginárias ?

  • Idealizações são utópicas. São marcos inalcançáveis. São projeções do ambiente e vida perfeitos onde a perfeição nunca imperou. Em algum momento essa bolha de fantasia vai estourar e não vai dar para prever a catástrofe psicológica que decairá sobre as sociedades ditas desenvolvidas.

  • É … faz sentido, deixa eu desconectar que amanhã a luta continua. Abraços.

  • Pelo menos curte lá sua amiga ultra mega feliz. Contribua mais um pouco com o projeto “Mundo Perfeito” dela !

  • Fala sério ! Vou é bloquear a pessoa ! Inté !

  • Falou .

  • …. …. …. … … …



gianovik