Quando tinha 14 anos, caminhava horas pelas ruas de meu bairro, batia
canelas sem destino mesmo, tentava encontrar sentido nas pessoas que
via, nos jardins das casas, nas crianças brincando nas garagens, nos
carros brigando por espaços no trânsito, até mesmo no movimento
das folhas que caiam dos vários jambeiros e mangueiras que faziam
parte do cenário de cada habitação. A verdade é que não me
encaixava em nenhum daqueles esteriótipos. Caminhava como um
fantasma, a observar a vida como numa tela de cinema. Tinha 14 anos,
e não me vislumbrava fazendo parte de nenhum molde cotidiano da
existência social.
Nunca fui muito comunicativo, tornei-me quando a preguiça de
escrever destravou a língua, mas nessa época, franzino, alto e
tímido, não teria coragem de expor o ridículo de minha figura a
análise coletiva, preferia ser aquela figura esguia e taciturna que
girava pelos quarteirões tentando encontrar algum milagre ou
propósito pra tudo que me cercava.
14 anos. Hormônios, puberdade, espinhas brotando como erva daninha,
primeiros sinais de barba e ralo bigode. É, eu tinha motivos pra me
sentir um estranho no ninho, um pássaro que não podia voar por
ausência de todas as penas. Estava preso àquela realidade
enfadonha, amarrado ao laço familiar pela total falta de referência
de para onde ir. Só me restava caminhar como se pudesse distorcer os
fatos e criar meu próprio mundo. Era um mundo só meu, onde a
existência do todo não afetava meu ciclo existencial. Não podia
imaginar o que ainda estava por vir, não sonhava com os amores que
se sobreporiam aos anos, com as dores dos fracassos, com o sentimento
de perda, com os beijos, cheiros, abraços, olhares de desejo, o
arquejar dos corpos em êxtase, o andar de mão dadas, sentir o
cheiro da pele aquecida no atrito dos corpos, o sabor de uma boca
ensandecida de volúpia.
Tudo isso era inimaginável àquele adolescente que recentemente
havia guardado no baú seus brinquedos de infância, que vez ou outra
os olhava sofregamente com a ânsia de tornar a construir castelos,
grandes batalhas, guerras de soldados, vitórias, heróis e
bandidos, tudo isso perdido pelo morno escárnio da adolescência.
Mal sabia ele que as grandes batalhas ainda estavam por vir, e que
todo lodoso e turbulento circo de relações humanas começava a
erguer lenta e progressivamente seu palco de encenações.
A vida era mais previsível naquelas voltas pelo meu bairro, mas com
certeza, bem menos emocionante, pois apesar das dores e vitórias,
construiu-se o caráter e a dignidade de um homem.
Agora já era capaz de fazer parte do cenário, não mais um mero
expectador.
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