segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Lenda da Solidão





 
Das coisas que se descobre sozinho, uma das mais interessantes é a alegria fortuita de estar vivo.

Costumava em minhas férias caminhar horas e horas pelas praias do Rio Grande do Norte. Na casa de praia onde passei mais da metade de minha infância nas férias, saia a passear por dunas e falésias a contemplar o vento, a areia, os pequenos animais que se escondiam em suas tocas, e percebia como o fluxo da vida é inerente e totalmente amorfo a nossa presença. Sentava as vezes por horas no topo de uma duna a ligar ondas umas as outras pra compreender a lógica dos oceanos. Imaginava a hora que golfinhos saltassem e eles, quase nunca vinham. 

Era intensa a vida ao meu redor.

Barcos, velas, pequenas fragatas e as vezes ao largo, imensos navios; vez ou outra crianças passavam brincando. As horas se perdiam em frações de pensamento e muitas vezes voltei com o sol se pondo. Não havia solidão. Havia sim poesia nesta comunhão com a natureza. Era belo demais pra ser real, e de tão belo o sol não me queimava, a sede não afligia muito menos o calor da areia castigava meus pés.  Deitava na sombra de um coqueiro e de soslaio contemplava o sol. Naquela íris tão jovem o ato de enfrentar cara a cara o sol nunca me trouxe sequelas ! Ficava turvando a vista a observar anéis de fogo flutuando e esguichando sua onipotência pelo cosmo.

Numa dessas caminhadas, alguns quilômetros ao Norte da praia de Touros, encontrei uma construção inusitada. Uma antiga capela já abandonada e em ruínas. Na minha curiosidade juvenil fui aproximando-me aos poucos e ao contemplar seu interior, percebi que no centro da capela ainda residia um carcomido altar de pedra, nada mais de bancos, ornamentos ou pinturas religiosas nas paredes desgastadas. No centro da igreja reinava imponente uma imensa castanheira. Como que plantada pelos anjos, a árvore irrompia sobre o teto em escombros, fazia as vezes de telhado rústico. Como já era próximo do fim do dia o sol entrecortado pelas folhas e pelo sutil balé produzido pelo vento, fazia um estranho ritual de luzes naquele ambiente. O sopro recortado pelas paredes esburacadas perfazia seu cântico melódico. Era um ritual da natureza. Era uma ode a minha presença. E sentei pra presenciar esse pequeno culto ecumênico.

Fechei os olhos e pedi à vida sua benção.

Senti nesse instante a verdade extrema. Nunca poderei estar só.

Muitas vezes nessas minhas caminhadas fui questionado por tios e primos o por quê de ser assim tão isolado. Eu ? Isolado ? Será que não conseguem perceber a magnitude da vida que está impregnada em cada canto, célula e suspiro ao nosso redor ?

Naquela igreja eu vislumbrei um passado de almas devotas, crenças decanas, amores perdidos e sonhos realizados em questão de segundos.

Séculos se passaram na minha cabeça e seres que ali realizaram suas orações, súplicas e constrições, me sopraram o único predicado real : “Você nunca estará só !”

E quando por um desleixo ou capricho a sensação de solidão retorna a minha existência, me sento mentalmente aos pés daquele altar, fecho os olhos e escuto a canção que vem da orquestra excepcional que Deus nos equipou ao nascer : Eu escuto a música que vem do espírito. E o mundo volta a me pegar pelas mãos para caminharmos juntos.


gianovik

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