Das coisas que se descobre sozinho, uma das mais interessantes é a
alegria fortuita de estar vivo.
Costumava em minhas férias caminhar horas e horas pelas praias do
Rio Grande do Norte. Na casa de praia onde passei mais da metade de
minha infância nas férias, saia a passear por dunas e falésias a
contemplar o vento, a areia, os pequenos animais que se escondiam em
suas tocas, e percebia como o fluxo da vida é inerente e totalmente
amorfo a nossa presença. Sentava as vezes por horas no topo de uma
duna a ligar ondas umas as outras pra compreender a lógica dos
oceanos. Imaginava a hora que golfinhos saltassem e eles, quase nunca
vinham.
Era intensa a vida ao meu redor.
Barcos, velas, pequenas fragatas e as vezes ao largo, imensos navios;
vez ou outra crianças passavam brincando. As horas se perdiam em frações de pensamento e muitas vezes voltei com o sol se pondo. Não havia
solidão. Havia sim poesia nesta comunhão com a natureza. Era belo
demais pra ser real, e de tão belo o sol não me queimava, a sede
não afligia muito menos o calor da areia castigava meus pés.
Deitava na sombra de um coqueiro e de soslaio contemplava o
sol. Naquela íris tão jovem o ato de enfrentar cara a cara o sol
nunca me trouxe sequelas ! Ficava turvando a vista a observar anéis
de fogo flutuando e esguichando sua onipotência pelo cosmo.
Numa dessas caminhadas, alguns quilômetros ao Norte da praia de
Touros, encontrei uma construção inusitada. Uma antiga capela já
abandonada e em ruínas. Na minha curiosidade juvenil fui aproximando-me aos poucos e ao contemplar seu interior, percebi que no
centro da capela ainda residia um carcomido altar de pedra, nada mais de bancos, ornamentos ou pinturas religiosas nas paredes desgastadas. No centro
da igreja reinava imponente uma imensa castanheira. Como que plantada pelos anjos, a árvore irrompia sobre o teto em escombros,
fazia as vezes de telhado rústico. Como já era próximo do fim do
dia o sol entrecortado pelas folhas e pelo sutil balé produzido pelo vento, fazia um estranho
ritual de luzes naquele ambiente. O sopro recortado pelas paredes
esburacadas perfazia seu cântico melódico. Era um ritual da
natureza. Era uma ode a minha presença. E sentei pra presenciar esse
pequeno culto ecumênico.
Fechei os olhos e pedi à vida sua benção.
Senti nesse instante a verdade extrema. Nunca poderei estar
só.
Muitas vezes nessas minhas caminhadas fui questionado por tios e
primos o por quê de ser assim tão isolado. Eu ? Isolado ? Será que
não conseguem perceber a magnitude da vida que está impregnada em
cada canto, célula e suspiro ao nosso redor ?
Naquela igreja eu vislumbrei um passado de almas devotas, crenças
decanas, amores perdidos e sonhos realizados em questão de segundos.
Séculos se passaram na minha cabeça e seres que ali realizaram suas
orações, súplicas e constrições, me sopraram o único predicado real : “Você nunca estará
só !”
E quando por um desleixo ou capricho a sensação de solidão retorna a minha
existência, me sento mentalmente aos pés daquele altar, fecho os
olhos e escuto a canção que vem da orquestra excepcional que Deus
nos equipou ao nascer : Eu escuto a música que vem do espírito.
E o mundo volta a me pegar pelas mãos para caminharmos juntos.
gianovik
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