terça-feira, 14 de maio de 2013

Ensaio de um penitente





            

"Não sou de reclamar. Já reclamei muito e quis muito também, todavia o tempo das coisas merecidas e dos atos premiáveis já há muito foram varridos para debaixo do tapete. Já reconstruí vários eus, já penei esperando milagres ocorrerem como já quis fazer e ser meu próprio milagre, mas reconheço que tive da vida apenas o que me esforcei a ter, e admito que me esforcei bem pouco. Desde tenra idade descobri que nada em absolutamente nenhuma escala seria capaz de calar a escassez de perspectivas e a insatisfação de ter vindo a esse plano tão desprovido de virtudes. 

Já me escravizei pelo ego, pelo orgulho de querer ser melhor que outros, até por achar discernir em situações de forma mais rápida e coerente; já me entumesci na arrogância do conhecimento como também exilei aqueles que não me acompanharam na lógica de tantos insights. Fui ludibriado quanto a integridade do caráter alheio como de certa forma deixei-me enganar por querer nos outros aquilo que achava o certo, o digno, o prêmio justo por suportar o peso dos anos.

E sinceramente hoje, encimado na literal marca de 40 estações, relutando contra todos os toscos e senis sinais de esperança, ainda me vejo lutando para acreditar que exista realmente algum propósito.

Mas como disse, não sou de reclamar, não mais. Acalento a lenta e pragmática virtude de continuar esperando que algo, alguém ou algum evento demonstre na prática a necessidade de concluir este ciclo vicioso por sensações, prazeres, decepções, enlaces, abraços, risos forçados e noites insones. O tempo de se esperar e acreditar em dádivas já passou. Dádivas são para os insanos, alçados ao próprio paraíso por não pisarem de fato no chão.

Mas não. Estas linhas não são nem um desabafo, confissão ou insípido lamento. Na verdade muito do que escrevo reflete completamente o contrário. Minha grande decepção foi ter de fato me interessado profundamente por conhecer a real natureza humana. Tão frágil e ao mesmo tempo tão belicosa, atraiçoada nestas criaturas bípedes sedentas por razão e propriedade.

Pobre ilusão, o homem materializa seus desejos em objetos e limiares muitas vezes tão fúteis, tão transitórios. Poder, dinheiro, propriedades, conquistas amorosas, no fundo um grande pedido de indulgência e apelo público e notório por visibilidade, como crianças a espernear freneticamente em busca do colo materno.

Todos em busca de propósito, aceitação, piedade divina e no fundo misericórdia por este exílio sem juri numa sentença sem apelação. Filhos ilhados na inútil busca inconsciente de retornar ao ventre da existência.

Já não busco entendê-la. O entendimento da vida é rústico, nublado. Perturbado por uma intensa névoa de soslaios, fantasias que tentam se sobrepor como camadas de terra, fatias e mais fatias de aliterações buscando rima num ritmo descompassado. A própria humanidade destoa do resto do planeta, suga e maltrata seu próprio lar declinando sua intrínseca correlação com a natureza. Acho que aí talvez resida o erro, a natureza humana foi postada no endereço errado. Pura ironia e sarcasmo do “serviço postal” superior.


Mas já não reclamo. Também não aceito tudo que vejo como destino ou castigo, claro, reitero o ato de esperar sem reclamar e não buscando a rima, ver onde tudo isso vai terminar, afinal no meu caso, metade da viagem já foi muito bem cumprida."
gianovik

Ps.: Estou publicando esse texto, que originalmente foi postado no Facebook e se perdeu sabe lá Deus porque na atualização pra odiosa "linha do tempo". Interessante que à época não o logrei importância, era só uma simples e pertinente observação sobre minha existência. Hoje percebo, que perante minha capacidade de síntese, é a perfeita definição do que me tornei, onde não há orgulho e escancara o flagelo de uma vida analítica. O texto fala por si.

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