"Não sou de
reclamar. Já reclamei muito e quis muito também, todavia o tempo das
coisas merecidas e dos atos premiáveis já há muito foram varridos para
debaixo do tapete. Já reconstruí vários eus, já penei esperando
milagres ocorrerem como já quis fazer e ser meu próprio milagre, mas
reconheço que tive da vida apenas o que me esforcei a ter, e admito que
me esforcei bem pouco. Desde tenra idade
descobri que nada em absolutamente nenhuma escala seria capaz de calar a
escassez de perspectivas e a insatisfação de ter vindo a esse plano tão
desprovido de virtudes.
Já me escravizei pelo ego, pelo
orgulho de querer ser melhor que outros, até por achar discernir em
situações de forma mais rápida e coerente; já me entumesci na arrogância
do conhecimento como também exilei aqueles que não me acompanharam na
lógica de tantos insights. Fui ludibriado quanto a integridade do
caráter alheio como de certa forma deixei-me enganar por querer nos
outros aquilo que achava o certo, o digno, o prêmio justo por suportar o
peso dos anos.
E sinceramente hoje, encimado na literal marca
de 40 estações, relutando contra todos os toscos e senis sinais de
esperança, ainda me vejo lutando para acreditar que exista realmente
algum propósito.
Mas como disse, não sou de reclamar, não
mais. Acalento a lenta e pragmática virtude de continuar esperando que
algo, alguém ou algum evento demonstre na prática a necessidade de
concluir este ciclo vicioso por sensações, prazeres, decepções, enlaces,
abraços, risos forçados e noites insones. O tempo de se esperar e
acreditar em dádivas já passou. Dádivas são para os insanos, alçados ao
próprio paraíso por não pisarem de fato no chão.
Mas não. Estas
linhas não são nem um desabafo, confissão ou insípido lamento. Na
verdade muito do que escrevo reflete completamente o contrário. Minha
grande decepção foi ter de fato me interessado profundamente por
conhecer a real natureza humana. Tão frágil e ao mesmo tempo tão
belicosa, atraiçoada nestas criaturas bípedes sedentas por razão e
propriedade.
Pobre ilusão, o homem materializa seus desejos em
objetos e limiares muitas vezes tão fúteis, tão transitórios. Poder,
dinheiro, propriedades, conquistas amorosas, no fundo um grande pedido
de indulgência e apelo público e notório por visibilidade, como crianças
a espernear freneticamente em busca do colo materno.
Todos em
busca de propósito, aceitação, piedade divina e no fundo misericórdia
por este exílio sem juri numa sentença sem apelação. Filhos ilhados na
inútil busca inconsciente de retornar ao ventre da existência.
Já não busco entendê-la. O entendimento da vida é rústico, nublado.
Perturbado por uma intensa névoa de soslaios, fantasias que tentam se
sobrepor como camadas de terra, fatias e mais fatias de aliterações
buscando rima num ritmo descompassado. A própria humanidade destoa do
resto do planeta, suga e maltrata seu próprio lar declinando sua
intrínseca correlação com a natureza. Acho que aí talvez resida o erro, a
natureza humana foi postada no endereço errado. Pura ironia e sarcasmo
do “serviço postal” superior.
Mas já não reclamo. Também não
aceito tudo que vejo como destino ou castigo, claro, reitero o ato de
esperar sem reclamar e não buscando a rima, ver onde tudo isso vai
terminar, afinal no meu caso, metade da viagem já foi muito bem
cumprida."
gianovik
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