Quando olho pra uma página em branco, me sinto maculando a pureza do
silêncio.
De fato gostaria que não fosse necessário escrever, expressar
idéias, nortear sentimentos, descrever situações, percrustrar solo
sagrado com a infâmia de palavras soltas ao vento. Vejo mais
grandeza no vazio de uma folha que na poluição visual das
pontuações, sílabas e verbos, impondo sua força de ação e
pronomiando as firulas do autor.
Feliz do autor que no silêncio de suas divagações expressa sua sinfonia literária sem macular a essência do branco infinito de uma
página.
Claro que esse autor não existe, pois pra haver o nascimento da
literatura essa pureza tem que morrer. Na vida parece que tudo tem
que desocupar espaço para que algo venha a nascer. Energias
contrárias não podem ocupar o mesmo espaço, uma tem que ceder sua
existência para o nascimento de outra. Da dor do parto se faz a
vida, da mágoa se produz o perdão, do ser humilhado advém o
humilde, do erro contra o próximo se cria a consciência do
sentimento de correção, do amor desperdiçado se produz a evolução
moral. Claro que é uma modo rebuscado dizer que houve “amor
desperdiçado”, pois se foi amor verdadeiro e não foi capaz de
tocar o coração de quem se amou, é por que essa vida ainda não
estava preparada pra entender seu significado.
Somos criados num mundo que se ensina que beleza tem limite, caridade
não é pra todos, humildade é para os fracos e o amor, a esse é
dos sentimentos mais mal interpretados e levianamente usados.
Confunde-se amor com ternura, atração física, sexo, desejo, paixão
e muitas outras menores empatias.
Perdeu-se na condição flagelada do homem a essência divina do
amor. O homem diz amar por conveniência ou por medo de uma solidão
física. Ama-se como troca de algemas, não como sublime desejo de
crescimento espiritual e progressão solidária.
O amor não se abala com as vicissitudes do dia a dia, não se
encolhe perante os erros, não baixa a cabeça perante os fracassos,
não deixa sequer de existir quando é rejeitado, ele cresce sempre e
sempre mais, numa expressão geométrica que extrapola o mero egoísmo
de quem ama e se regojiza com a felicidade de quem não lhe acolheu.
O amor sequer deveria ter palavra pra designá-lo, deveria ser
somente essa energia que promulga o bem indiscriminadamente, presente
ou ausente, distante ou próximo, rejeitado ou mesmo mal
interpretado, incapaz de fazer o mal ou provocar sentimentos
mesquinhos e dores de rejeição.
Só esse amor pode macular folhas em branco sem produzir sons ou
denegrir a beleza deste vazio níveo, que pelo amor permanece
virgem e inalterado.
Portanto, continuo sentido o silêncio nesta folha.
Nada foi violado.
gianovik
Nenhum comentário:
Postar um comentário